Topografia da vulva
Exemplo de uma sheela-na-gig, figura de uma mulher exibindo a vulva, no exterior de uma igreja do século 12, em Kilpeck, Inglaterra (Foto: Wikimedia Commons/The sheela-na-gig project)
A vulva. A vulva e o clítoris. E a fresta da vagina – o que dela mal se entrevê. Topografia complexa e radicalmente singular, de uma a outra pessoa: saliências, dobras, depressões – e pelos, em geral, mais ou menos pelos. Nada mais distante da ausência de um órgão, do resultado de uma castração, de uma pretensa marca da falta no corpo de alguém.
Relevo, textura e cores desafiam o léxico e me levam a tentar armar outro vocabulário, como quem organiza seu arsenal. Não me servem pequenos ou grandes lábios – tentativas de domesticar a singularidade da vulva vinculando-a outro órgão, a boca, da qual é tão claramente distinta. Seria óbvio associá-la ao inquietante, ao Unheimlich de Freud – o infamiliar, o incômodo –, mas me parece um equívoco resvalar apressadamente na concepção de algo que resistiria inevitavelmente à linguagem (e fazer do “feminino” uma ontologia negativa ou, pior, uma espécie de mística, um gozo do qual nada se poderia jamais dizer, segundo Jacques Lacan em seu Seminário 20). Aposto, em vez de seguir esse caminho já traçado (e que mais se parece a uma rua sem saída), na ideia de que o discurso da diferença sexual é sempre fálico, que em vez de dar lugar (e palavras) à diferença, ele a silencia e a restringe a um papel complementar em relação a uma referência intocável: a presença de um órgão que seria o “masculino”.
Para dizer outra coisa seria necessário, então, não só forjar outras palavras, como inventar uma gramática – ou seja, outra forma de pô-las em relação entre elas
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