Théâtre du Soleil leva utopia e cinema ao palco

Théâtre du Soleil leva utopia e cinema ao palco

Ernane Guimarães Neto

A diretora Ariane Mnouchkine apresentou-se à plateia e pediu desculpas: “O que verão é o último ensaio [antes da estreia]; portanto pode haver interrupções”, advertiu. A apresentação de 4 de outubro estava mais para pré-estreia. Os convidados e jornalistas credenciados viram o espetáculo fluir com naturalidade no palco (montado dentro de uma tenda no SESC Belenzinho).

Os Náufragos da Louca Esperança tem como ambiente a França de 1914, marcada pelos eventos que gestaram a Primeira Guerra Mundial. Como cenário, um restaurante parisiense. Dentro dele, um cineasta socialista arregimenta funcionários e frequentadores como membros de uma produção coletiva destinada a propagar a ideia de uma sociedade fraternal.

Os espectadores podem ir mais fundo nessa construção em abismo: veem-se os atores fictícios em cena servirem de “bonecos” da produção. Pois, em cena de ventania, para cada ator vemos um membro da equipe voltando-lhe um ventilador e outro sacudindo seu cachecol, como num teatro de marionetes.

Dessa fórmula, que se repete pelas mais de três horas e meia de espetáculo, resulta um jogo de diversas facetas do fazer artístico: a rica cenografia explicita o poder de mutação de qualquer palco; a montagem do cenário diante da plateia mostra como o cinema convence as pessoas que as personagens estão num navio encalhado no gelo, por exemplo.

Esse jogo não poupa a companhia Théâtre du Soleil, cujo trabalho baseia-se na autoria colaborativa (e que se declara socialmente utópica): a narração testemunha o alívio de um dos membros da trupe por convencer o cineasta a não representar a religião de modo demasiado caricato; os atores reconstroem o enredo a todo instante.

É do contraste entre o discurso dos autores (o Théâtre du Soleil e sua diretora, o cineasta da peça e a obra de Júlio Verne em que se baseia) e a prática que surge o humor do espetáculo. A peça recorre até mesmo à torta na cara. A plateia do SESC gargalhou.

Posicionada no centro do público, Mnouchkine esboçava no máximo um sorriso de canto de boca; anotava constantemente. Comunicava-se discretamente por um microfone, talvez assinalando o descompasso entre algumas falas e a legenda em português, o único ponto visivelmente carente de ensaio na véspera desta estreia brasileira.

Onde: Sesc Belenzinho – R. Padre Adelino, 1.000, São Paulo (SP)
Quando: de 5 a 23/10
Quanto: R$ 12,50 a R$ 50
Info.: tel. (11) 2076-9700, www.sescsp.org.br

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