Suprema Injustiça Brasileira

Suprema Injustiça Brasileira

Supremo Tribunal Federal (Foto: Reprodução)

O Supremo Tribunal Federal tem demonstrado sua função de relevo para selar o êxito do golpe ao proferir decisões que afrontam diretamente o repertório de direitos sociais consagrados na ordem constitucional de 1988.

O golpe na democracia, que pareceu atingir seu apogeu com o processo de impeachment, ainda não acabou. Pelo contrário, ele está em curso pleno e na ordem do dia da política. A deposição de um governo legitimamente eleito foi só um dos momentos iniciais de um processo muito mais amplo de imposição de retrocessos nos já precários direitos da cidadania no Brasil. A agenda de desmonte da proteção social, com a PEC 241, reformas previdenciária e trabalhista, é a tônica e a principal aposta desse golpe.

A cada dia, fica mais claro que o objetivo da ruptura institucional de 2016 nunca se resumiu, exclusivamente, a afastar Dilma Rousseff. Como uma das formas possíveis da ação política, o golpe foi um grande negócio e teve vencedores, patrocinadores, investidores, executores, apoiadores e outros tantos regimes de associação que agora cobram sua fatura.

Muitos se questionavam, com pertinência, qual era o papel cumprido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no golpe parlamentar consumado pelo impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. De modo discreto, mas decisivo, nossa Corte Suprema optou por se manter silente e omissa, chancelando legalmente e, assim, legitimando, a cassação do mandato de uma presidenta eleita e sem comprovação de qualquer crime de responsabilidade que justificasse a aplicação de tal penalidade.

Desde então, contudo, o STF tem demonstrado sua função de relevo para selar o êxito do golpe ao proferir decisões que afrontam diretamente o repertório de direitos sociais consagrados na ordem constitucional de 1988.

Diversos foram os casos recentes e de enorme impacto na democracia julgados pelo STF. Prisão sem trânsito em julgado da decisão e apenas de condenação em segunda instância, prevalência do negociado sobre o legislado, rejeição da desaposentação e restrição ao direito do greve dos servidores públicos civis com a imposição de corte de ponto nos dias de paralisação são os principais exemplos que ilustram o papel do STF para solapar o Estado Social de Direito.

A Corte que deveria ser o principal guardião da Constituição Federal tem-se tornado, dia após dia, seu principal algoz. O intérprete autêntico e mais credenciado do texto constitucional tem, paradoxalmente, rasgado a Carta Maior a cada decisão, embalado por corporativismo, por vaidade institucional, por pressão do governo de ocasião, por uma opinião pública mal-informada (para não dizer manipulada pela mídia hegemônica), pelo poder econômico e suas relações escusas com o sistema de justiça.

Destacando a centralidade política do Supremo Tribunal Federal brasileiro tanto no controle do Poder Judiciário como um todo, bem como na expansão de sua autoridade em relação aos outros dois poderes do Estado, Oscar Vilhena Vieira cunhou o termo “supremocracia”. Segundo o autor, “este perceptível processo de expansão da autoridade dos tribunais ao redor do mundo ganhou, no Brasil, contornos ainda mais acentuados. A enorme ambição do texto constitucional de 1988, somada à paulatina concentração de poderes na esfera de jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ocorrida ao longo dos últimos vinte anos, aponta para uma mudança no equilíbrio do sistema de separação de poderes no Brasil”.

É verdade que o ativismo judicial e o protagonismo institucional do STF rendeu importantes contribuições para temas de direitos humanos na democracia brasileira recente. Isso deve ser ressaltado e celebrado. No entanto, acertos do passado não justificam erros do presente, ainda mais quando está em jogo o futuro dos direitos sociais.

O mesmo STF que cassa direitos trabalhistas e previdenciários pressiona o Legislativo e o Executivo para manter e elevar os polpudos salários e benefícios da cúpula do Judiciário brasileiro. Assim, a Corte deixa de ser contramajoritária e autônoma para se resumir a uma correia de transmissão das propostas de ajuste conservador do governo Temer.

O Judiciário já foi descrito pelo francês Antoine Garapon como “o muro das lamentações do mundo moderno”, em referência ao fato de que, cada vez mais, as pessoas recorrem ao sistema de justiça para fazer valer seus direitos. Contudo, lamentavelmente, o STF está se tornando o contrário disso, ou seja, uma instituição de retirada de direitos.

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