Sobre ser uma pessoa-plural, a única possibilidade

Sobre ser uma pessoa-plural, a única possibilidade
(Ilustração: Fernando Saraiva)
  O tempo estava abafado em São Paulo naquela tarde, mas o que estava quente mesmo eram as ideias na minha cabeça. Lá estava eu, lendo mais uma vez Elena Ferrante. Lá estava ela – a voz-sem-corpo, a palavra que ganha contornos no texto escrito. É aí que ela existe de verdade, é pela palavra que esse corpo se forma. Meu filho – já acostumado aos montes de livros-companheiros que me acalentam – pegou As margens e o ditado: sobre os prazeres de ler e escrever (Intrínseca, 2023) e disse: – Nossa, mamãe, tô com medo da capa desse livro. No abismo, tem olhos encarando a moça. Pronto. “A pureza das crianças” tinha matado a charada do meu desconforto: eu tentava me livrar desses olhos. O assombro que me causaram estava impedindo que eu pulasse da margem segura – familiar – e me entregasse ao abismo, às considerações da autora. Acontece que eu já estava completamente tomada pela “Febre Ferrante”. Aquela mesma febre que acometeu tantas pessoas, que me acometeu desde a primeira vez que li Dias de abandono (Biblioteca Azul, 2016) – talvez ainda o meu preferido – e que permaneceu a me queimar à medida que visitava Nápoles de mãos dadas com Lena e Lila na tetralogia napolitana. Então, eu pulei. Em Frantumaglia: caminhos de uma escritora (Intrínseca, 2017), Ferrante já falava de seu ofício. Lá, encontramos uma escritora tecendo considerações sobre a prática da escrita em entrevistas, textos e outras reflexões. Mas em As margens e o ditado, ah, Ferrante, aqui ela praticamente – e já explico o “praticamente”

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