Sobre florestas cultas

Sobre florestas cultas
(Ilustração: Reprodução/J. C. Mikan)
    Ao contrário da imagem corrente que se tem da Amazônia, com suas planícies e grandes rios, a Terra Indígena Wajãpi (Amapá, PA), local onde aportei meu trabalho de antropóloga, é uma região montanhosa, de floresta tropical densa, repleta de igarapés pequenos, rios encachoeirados e de difícil navegação. Foi em uma viagem por um desses cursos de água que um dos meus amigos wajãpi – grupo falante de uma língua do tronco tupi – me mostrou uma roça de sucuri. Sim, a maior cobra das Américas, que habita as margens alagadas e é exímia nadadora, possui roçados. São áreas de uma vegetação flutuante que compõe com uma espécie de Musaceae típica da mata ciliar e que, por sua similaridade morfológica com a bananeira, é chamada de banana-de-sucuri. As roças de sucuri têm uma fitofisionomia que se assemelha às roças wajãpi: com plantas mais altas (como as bananeiras e mamoeiros), espécies herbáceas em um extrato intermediário (como as mandiocas) e trepadeiras que se engalfinham e que emaranham as plantas entre si (como os carás). Nesse universo, a agricultura não é uma prerrogativa dos humanos, uma vez que a humanidade não é uma condição exclusiva, mas sim um atributo amplamente compartilhado com diversos entes. Em tempos pretéritos, animais, plantas, objetos e astros detinham aspectos culturais, como festas, ornamentos e, o mais importante, a linguagem. Era um tempo de ampla comunicação, no qual a primeira humanidade conversava, casava e se relacionava com gente anta, gente queixada e gente surubim, entre tanta

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