Sérgio Porto, 100: o jornalista do humor
Nascido há 100 anos, em 11 de janeiro de 1923 em Copacabana (RJ), Sérgio Marcus Rangel Porto foi um jornalista e escritor carioca, responsável por revolucionar a linguagem jornalística com seu estilo humorado e irreverente.
Com apenas 24 anos, Sérgio Porto estreou no jornalismo na Folha do Povo. Ao longo de sua carreira, sustentou uma escrita eclética, escrevendo sobre teatro, futebol, cultura, música e cinema, além de compor o Samba do crioulo doido para o teatro.
Sua rotina de trabalho era intensa. No período da manhã, trabalhava no Banco do Brasil. Passava as tardes em sua casa, debruçado na máquina de escrever, produzindo sem parar. À noite, saía em companhia de suas três filhas, Angela, Gisela e Solange, para entregar suas matérias em jornais e em rádios.
Apesar da diversidade de temas que frequentou, foi com suas crônicas políticas e humoradas que Porto ficou mais conhecido nas letras nacionais. Em 1953, quando trabalhava na redação do Diário Carioca, foi convidado a escrever a seção de crônicas, convite que aceitou sob a condição de usar um pseudônimo. Assim surgiu Stanislaw Ponte Preta, nome inspirado no irreverente Serafim Ponte Grande, protagonista do romance homônimo do escritor modernista Oswald de Andrade.
“Ele criou esse pseudônimo, que virou um heterônimo, para separá-lo do Sérgio Porto, para que Sérgio continuasse em uma linha jornalística mais séria, enquanto Stanislaw se propunha a fazer humor, provocar o riso”, conta a historiadora Angela Porto, uma das três filhas que Sérgio teve com Dirce Pimentel de Araújo, com quem se casou em 1952.
No jornal Última Hora, o escritor criou e desenvolveu os personagens da família Ponte Preta: tia Zulmira, primo Altamirando, Rosamundo das Mercês e outros, em uma família que ia crescendo. Ao contrário de Sérgio Porto, a família fictícia morava na Boca do Mato, e não em Copacabana, em uma divisão também geográfica entre Sérgio e Stanislaw.
Mas, a partir da década de 1960, a família Ponte Preta foi deixada de lado e o foco de suas crônicas passou a ser os fatos da vida política brasileira. Em 1966, surge o Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapá), para retratar com humor e ironia os acontecimentos que pontuaram os primeiros anos do governo militar.
Apesar de nunca ter gostado muito de política, como conta Angela Porto, a pauta se lhe impôs pelo ridículo e estúpido da política praticada pelo regime militar. É célebre o caso, retratado em uma de suas crônicas do Febeapá, dos militares que invadiram uma peça de teatro, espancaram os atores e procuraram o autor da peça para levar em cana: Sófocles, morto há quatro séculos antes de Cristo.
O país ainda não vivia o horror do AI-5, mas Sérgio teve alguns problemas legais. Já na década de 1950, pediu demissão do banco por medo de represálias políticas; foi fichado no Dops; e, em uma de suas apresentações do Show do Crioulo Doido, seu café parece ter sido envenenado, o que lhe rendeu alguns dias de licença no hospital. “Pensamos que [o suposto envenenamento] foi por conta das críticas políticas que fazia ao sistema”, relata Angela Porto.
Além das saídas noturnas para entregar matérias nos jornais, Angela relembra que o pai gostava de ir com a família para a praia nos finais de semana, onde recortava notícias do jornal que inspirariam suas crônicas. O Febeapá teve três edições, sendo sua última crônica escrita em setembro de 1968. Pouco tempo depois, em 30 de setembro, Sérgio faleceu, aos 45 anos, de infarto.
Sérgio Porto deixou apenas quatro obras assinadas com seu nome, como O homem ao lado (1958) e A casa demolida (1963), em que abordou memórias de infância e o Rio de Janeiro de sua juventude. Já Stanislaw Ponte Preta nos legou nove livros, pontuados pela “linguagem mais solta, a conversa com o leitor de uma maneira descontraída, o humor que foi sua marca”, nas palavras de Angela Porto.
Para a filha, o humor irreverente e a troca que oferecia com o leitor são marcas indeléveis da escrita de Sérgio, que influenciou diversos escritores e mesmo humoristas contemporâneos, como Gregório Duvivier e Fábio Porchat.
Um estilo que, afirma Angela, ganha ainda mais relevância à luz dos últimos quatro anos: “papai ter sido lembrado em vários momentos desse desgoverno horroroso que tivemos foi muito importante, pois chamou a atenção das pessoas para o Festival de Besteira que se estava fazendo no país. O humor, o riso, ajudam as pessoas a entender melhor as coisas, a ver de uma maneira mais crítica”.