Schopenhauer, Borges e Guimarães: Diálogos interculturais

Schopenhauer, Borges e Guimarães: Diálogos interculturais

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Em O sonho é o monograma da vida (ed. 34), Márcio Suzuki propõe a seu leitor a aventura de visitar os complexos labirintos literários de Jorge Luis Borges tendo o pensamento de Arthur Schopenhauer como fio de Ariadne.

A estratégia nada tem de arbitrária, como ele mostra na entrevista a seguir. É enorme a inspiração exercida pela filosofia pessimista de Schopenhauer, em especial suas doutrinas do sonho e do caráter, para as concepções de arte e do destino humano do autor de O Aleph.

O livro mostra que também os dramas jagunços do grande sertão de Guimarães Rosa, para além da ambiência regionalista aparente, são também muito impregnados pelo que, em viés crítico, mas sombriamente atraente, Nietzsche chamou de o “perfume fúnebre” de seu ex-mestre Schopenhauer.

Professor de Estética da USP, Suzuki é um dos maiores especialistas em filosofia de língua alemã no país, tendo já traduzido clássicos como Kant, Schiller, Friedrich Schlegel, Schelling, Heine, Husserl, Karl Kraus, Thomas Mann, Elias Canetti e Hans Magnus Enzensberger. Cumpre assim uma missão de diálogo intercultural cuja importância fica ainda mais evidenciada no contexto dos 200 anos da emigração alemã ao Brasil, comemorados neste mês de julho.

 

O senhor demonstra ao longo do livro a fortíssima influência de Schopenhauer para o “programa fantástico-idealista” de Borges. Gostaria que nos resumisse os principais aspectos dessa demonstração.

Como você bem sabe, demonstração é um termo filosófico forte, mas Borges, que se gabava, com razão, de conhecer filosofia, talvez gostasse dele. De fato, não é exagero dizer que ele toma como ponto de partida alguns dos princípios fundamentais da metafísica schopenhaueriana: o agir humano é muito mais comandado por uma vontade cega do que por decisões racionais do livre-arbítrio; os seres humanos cometem ações, cujos verdadeiros propósitos só descobrem depois que as praticam; não há diferença entre a tomada de decisão e a própria ação etc. Assombro é a palavra que Borges emprega para descrever o espanto que sentimos com algo surpreendente, mas que já estava como que preparado no mais íntimo de cada um, como que pedindo para se manifestar. Há um ímpeto que não se sabe bem de onde vem, e que impele cada pessoa a ir atrás do seu destino, que já está de algum modo traçado. Indo um pouco além de Schopenhauer, Borges infere daí que não só a história individual, mas também a história coletiva segue um caminho parecido: diferentemente do que pretendiam as grandes filosofias idealistas (Kant e Hegel), a História não segue um percurso rumo a uma racionalidade cada vez maior, mas vai de espanto em espanto, de assombro em assombro, ao sabor dos ditames de uma Vontade cega, que enxerga, no entanto, muito melhor que nós mesmos.

Borges tinha dileção pelos metafísicos que pensam de maneira contraintuitiva como Schopenhauer. O seu “programa fantástico-idealista” tem esse mesmo espírito: a “irrealidade” que o escritor deve procurar criar deve ser suficientemente consistente para convencer a ele mesmo e aos outros de que ela é real. Mais ou menos o que acontece nos sonhos. Podemos então dizer que o que ele está propondo com o seu idealismo fantástico é uma nova forma de realismo. O que não é um absurdo, se pensamos na literatura de Kafka.

 

Como esse prisma de interpretação pode transformar a leitura usual que se faz do escritor argentino? Como se aplicaria por exemplo à decifração de um livro como “O Aleph”?

Borges aprendeu alemão muito cedo, como autodidata, quando ainda era estudante colegial na Suíça. Não conseguiu ler Kant no próprio original, mas Schopenhauer sim, que ele volta a ler com o pai e com o escritor Macedonio Fernández ao retornar com a família à Argentina depois da Primeira Guerra Mundial. Então ele conhecia a obra schopenhaueriana como poucos (tanto editada quanto os papéis póstumos), e ela representa a guinada decisiva na sua carreira literária, guinada que leva à transformação da metafísica em um ramo da literatura fantástica, como costumava brincar. A presença do filósofo alemão é notória nos seus ensaios da década de 1930, em seu livro de contos, Ficções, que é de 1944, e se torna ainda mais forte nos contos do livro seguinte, O Aleph, de 1949. Neste último, há várias narrativas que tematizam a impossibilidade de mudar o destino individual, e numa delas, “Deutsches Requiem”, um oficial alemão, versado na obra de Schopenhauer, interpreta a própria história e a história da Alemanha nazista à luz do que poderíamos chamar, paradoxalmente, de “teoria do inesperado previsto” (“toda negligência é deliberada, todo encontro casual é um encontro marcado, toda humilhação uma penitência, todo fracasso uma misteriosa vitória, toda morte um suicídio”). No que diz respeito ao conto Aleph, ele tem também traços marcadamente schopenhauerianos: a ideia de que o único tempo verdadeiramente real é o presente (o eterno presente ou presente eterno), e de que o escritor de uma obra ficcional é como um criador que está para a suas personagens, assim como Deus está para as suas criaturas. Como o ser divino (na verdade, a Vontade schopenhaueriana), o narrador ficcional vê tudo de uma só vez, ele sabe antecipadamente tudo o que vai acontecer, enquanto as suas personagens e os seus leitores só conseguem enxergar a história sequencialmente, por partes. Essas “premissas” schopenhauerianas ajudam a dar verossimilhança à hipótese de que seria possível ver todas as coisas existentes ao mesmo tempo num só objeto, o Aleph, que simboliza a própria narrativa ficcional.

 

No conto inicial de Ficções, o narrador evoca a “memorável sentença” de um heresiarca de Uqbar, segundo a qual “os espelhos e a cópula são abomináveis porque multiplicam o número dos homens”.  Afora os pontos de contato estéticos, em que medida esse pessimismo zombeteiro, tipicamente schopenhaueriano, permeia a visão de mundo de Borges? Se o faz, ajuda também a explicar as opções políticas conservadoras que muitos consideram a maior razão para o escritor argentino não ter ganho o Nobel?

De fato, Borges adorava o que ele chamava, em espanhol, de bromas. E você tem toda a razão, essa brincadeira também tem um fundo schopenhaueriano. Mas, por isso mesmo, também tem um lado sombrio. A Vontade é uma potência cega infinita, inesgotável, que multiplica indefinidamente, como os espelhos, os seres existentes, os quais, na verdade, não passam de miragens infindáveis do nada (Schopenhauer foi, como se sabe, muito influenciado pela mística oriental, e Borges também aprendeu muito com ele nesse ponto).

Borges foi conservador, assim como havia sido Schopenhauer. Esse conservadorismo está ligado, no entanto, a uma grande lucidez: segundo eles, nós estamos fadados à repetição. A repetir indefinidamente os mesmos erros, por mais que acreditemos ter aprendido com os equívocos passados. O “eterno retorno” schopenhaueriano é muito mais atraente, para Borges, do que o de Nietzsche. A Vontade cega cria e destrói indefinidamente as formas ilusórias, os espelhos, que produz. No livro, ensaiei uma comparação (certamente ligeira, espero que não leviana), desse eterno retorno schopenhaueriano (e do universo fantástico borgiano) com a reposição incessante da mercadoria em Marx: sob a aparência do novo, da ilusória novidade da moda, o que vem à tona no mercado de consumo é sempre o mesmo. Creio que Walter Benjamin estava pensando em algo semelhante quando se volta para a doutrina do eterno retorno (Blanqui) nas suas páginas sobre a Paris de Baudelaire.

Então podemos dizer que, apesar de seu conservadorismo, Schopenhauer e Borges têm algo a dizer sobre o nosso presente. Por exemplo, leitor não só de Schopenhauer, mas profundamente marcado pela leitura de Domingo Faustino Sarmiento (Facundo o Civilización y Barbarie), Borges viu de maneira muito clara que o conflito entre civilização e barbárie é algo perene. Creio que os dias atuais lhe dão razão.

 

A experiência pessoal da perda da visão teve impacto significativo para uma radicalização da afinidade de Borges com um filósofo que deu tanta ênfase à “cegueira” como atributo da Vontade criadora, sustentadora e destruidora de todas as coisas?

Muito pertinente esta observação. Borges sabia que, como o pai, iria ficar cego. A sua lucidez quanto a isso era igualmente terrível, tanto mais que amava a leitura mais que tudo provavelmente, tendo herdado também a ambição do pai de se tornar escritor. Então a ideia de que seu destino já estava traçado o marcou pessoalmente desde cedo. Por isso também não cansava de enaltecer o fatalismo, a coragem, com que os argentinos – gauchos e compadritos à frente – encaravam as agruras da vida.

 

O livro também trata da influência de Schopenhauer sobre Guimarães Rosa. Ela foi tão profunda quanto no caso de Borges?

Os documentos (passagens textuais, apontamentos, anotações marginais, conferências, entrevistas) que atestam as leituras schopenhauerianas de Guimarães Rosa não são tão abundantes quanto no caso de Borges. Por outro lado, não é possível dizer com precisão tudo o que ele leu de Schopenhauer, pois, ao contrário de Borges, o escritor mineiro descurou um pouco de sua biblioteca quando ainda estava vivo. Mesmo assim, os poucos registros encontrados na marginália dos livros que leu do filósofo dão conta de um leitor muito atento. Algumas passagens assinaladas por ele se prestam bastante à compreensão do universo rosiano, especialmente no que se refere àquilo que chamei de “fatalismo jagunço”, traço caracterizante de suas personagens que tem muita proximidade com o fatalismo do gaucho e do cumpadrito borgianos.

Que o livro trate de Borges e de Guimarães Rosa não é fortuito. A proximidade entre eles é um dos temas de estudo do crítico literário Davi Arrigucci Jr., muito importante na minha trajetória pessoal.

 

Acerca da “metafísica do sonho” de Schopenhauer, um dos pilares da estética borgiana, chama a atenção a distinção que o senhor faz o papel de nossos desejos e da nossa vontade, ambos querendo o “nosso bem”, ainda que de maneiras diversas. Mais que em Freud, essa dimensão por assim dizer “romântica”, sapiencial de nossas instâncias psíquicas talvez faça pensar em Jung e sua distinção entre o ego e o Self. O senhor poderia resumir a relação entre Schopenhauer e as descobertas da psicologia moderna no âmbito onírico?

A literatura que Schopenhauer conhece a respeito dos sonhos é grande, variada, vai desde os antigos, passando pelo barroco espanhol, Shakespeare, até o romantismo, principalmente Jean Paul. Com Jean Paul, ele compreendeu a natureza teatral da cena onírica, retomada pelo Borges, mas não só por ele. Pois aquilo que Borges denomina “a mais antiga das estéticas” aparece também em Kierkegaard (na relação do autor ortônimo com seus pseudônimos) e em Fernando Pessoa (drama heteronímico).

O interessante, no caso da explicação do sonho proposta por Schopenhauer, é que ela lança mão de uma hipótese fisiológica, uma hipótese vitalista, para explicar a origem das imagens oníricas. Em 2023, organizei um pequeno volume com a tradução dos textos de Schopenhauer referentes a essa sua concepção fisiológico-teatral do sonho (Para uma metafísica do sonho, editora Iluminuras). É curioso que poucos estudiosos se detiveram nestes textos. Não foi o que ocorreu com Borges, nem com Freud, que percebeu bem a dimensão da hipótese fisiológica ali aventada. Segundo esta hipótese, o sonho teria origem no sistema nervoso periférico, nos sistemas simpático e parassimpático, e não no cérebro. Assim, descobertas fundamentais, surpreendentes, para o próprio indivíduo, descobertas que lhe permitem vislumbrar o seu eu além do mero eu empírico ilusório, se dão nas cenas noturnas cuidadosamente “montadas” pelo seu corpo, isto é, pela sua vontade: estas cenas são páginas abreviadas do livro maior que é a vida do sujeito, para usar o símile schopenhaueriano que fascinou Borges. Então, na verdade é o corpo, a vontade mais funda do sujeito, que escreve a sua história. É ele o verdadeiro dramaturgo. Se essas ideias podem contribuir para a psicologia profunda, só cabe aos especialistas dizer. Mas seria divertido ver o surgimento de uma linha paralela ao psicodrama dedicada à “traumaturgia”.

 

Nesse contexto de celebração dos 200 anos da emigração alemã, gostaria que o senhor nos falasse de como se deu sua “opção” (uso aspas porque Schopenhauer talvez discordasse de uma concessão desse porte ao livre-arbítrio em nossas decisões essenciais) por laços tão fortes com a língua e a cultura daquele país.

É verdade. Falar em escolha e livre-arbítrio depois de Schopenhauer e da psicanálise é muito delicado. Minha ligação com Schopenhauer está inteiramente associada à amizade com Maria Lúcia Cacciola, que foi minha professora. Quando estava terminando a graduação, ela me convidou para fazer a quatro mãos a tradução do livro dele Sobre a filosofia universitária (publicado pela WMF). Neste ensaio dos Parerga e Paralipomena, Schopenhauer espinafra seus grandes contemporâneos Fichte, Schelling e Hegel, além de todos os acadêmicos que fazem da filosofia um ganha-pão (isto é, são comandados unicamente pela mais direta vontade de viver sem se dar conta disso). Passamos anos, tardes e tardes de sexta-feira, tentando desmontar e reconstituir as suas longas frases de tirar o fôlego num português minimamente à altura e o mais fiel possível do original. Maria Lucia Cacciola escreveu por volta daqueles mesmos anos a sua tese, que virou um livro, Schopenhauer e a questão do dogmatismo (recentemente reeditado pela Edufsc). Então minha formação schopenhaueriana se deu com a melhor pessoa que poderia ter encontrado. Há alguns anos, ela me contou que Gérard Lebrun escreveu um livro sobre Schopenhauer antes de morrer, mas o manuscrito se perdeu. Uma verdadeira pena, pois o volume não só completaria uma tetralogia extraordinária sobre a filosofia alemã (juntando-se a seus três livros monográficos sobre Kant, Hegel e Nietzsche), mas também ajudaria a tirar a pecha de irracionalismo que ainda paira sobre Schopenhauer na academia. É sintomático que ainda se encontrem professores e pesquisadores respeitáveis que torçam o nariz para um filósofo que tem papel altamente significativo na obra de autores como Machado de Assis, Thomas Mann, Franz Kafka, Guimarães Rosa e Borges. O autor do Mundo como vontade e representação era tido como um Kant desfigurado ou como um mero precursor de Nietzsche. O livro e todo o empenho de Maria Lúcia em prol da interpretação do pensamento dele contribuíram para que esse preconceito seja bem menor no Brasil, mas não é o caso em outros países. São ainda poucos os que conhecem, por exemplo, a importância central de Schopenhauer para a estruturação do Tractatus de Wittgenstein (e talvez não só do Tractatus…).

O fascínio pela língua, pelo modo de lidar com ela, devo seguramente às aulas de Rubens Rodrigues Torres Filho. Ele abria o livro no original e começava a traduzir e explicar em voz alta, sem titubear em nenhuma palavra ou linha, escrevendo os conceitos mais importantes na lousa. Era impressionante ver como passava de uma língua a outra, pois Rubens era o que os alemães chamam de Sprach– e Wortkünstler, um artista da língua e da palavra. Ou ainda, se pensamos em Schlegel e Novalis: um mágico da língua, um feiticeiro da palavra.

Entrar em outra língua, qualquer que seja, produz uma experiência de dépaysement, que é muito importante, inclusive para conhecer melhor os limites e possibilidades da própria língua e cultura.

 

Em ensaio sobre David Hume, o senhor formula a bela sentença de que “No jogo filosófico perde quem joga sério demais”.  Gostaria que nos falasse mais sobre esse modo de ver a filosofia como um jogar, talvez mesmo um brincar. Em que medida isso se afasta da secular exaltação da melancolia como temperamento propício ao pensador? Ou é pela melancolia e o tédio intrínsecos a tantos filósofos que o jogo e a graça do bem pensar podem propiciar uma espécie de “cura”?

Esse ensaio faz parte de um livro anterior, que procura reconstituir as ideias de jogo, humor e arte de viver na filosofia britânica do século 18 (A forma e o sentimento do mundo, Editora 34). Hume se sentia melancólico quando jovem e, tendo feito o próprio diagnóstico, procurou um médico importante da época, vitalista também, o dr. Georg Cheyne, com quem se correspondeu sobre sua “doença”.

Nesse outro livro, procurei mostrar como o pensamento do século 18 tenta dar uma resposta ao “tédio” que toma conta de homens e mulheres em sociedade, tal como detectado por Pascal, assim como à ideia de “inquietude”, que era o modo pelo qual pensadores como Malebranche e Locke tentavam responder ao diagnóstico pascaliano. A resposta que Hume e outros autores encontram ao tédio e à inquietação consiste em mostrar que as formas de passatempo têm um valor em si, são importantes para a economia psíquica e, com isso, são meios de se libertar da terrível sensação da passagem do tempo. Curioso que alguns dos pensadores que se dedicaram a essa questão são considerados os primeiros economistas, como Hume e Adam Smith, ou seja, aqueles que se preocuparam em pensar quanto tempo se gasta nas atividades produtivas; curioso, porque para eles as atividades humanas deveriam ser encaradas de maneira saudável, bem-humorada, como se encara um jogo ou um passatempo. Há momentos de muito humor e graça nesses autores, como em Hume e Sterne, que defende o hobby-horse, o cavalinho-de-pau, que hoje é conhecido apenas pelo primeiro nome “hobby”. Kant também seguiu nessa trilha: ele brincava que cada um devia ter o seu hobby, o seu cavalinho-de-pau, desde que não lhe pedissem para se sentar na sua garupa.

 

Nesse mesmo texto, o senhor mostra como para Hume a natureza humana não é por princípio avessa a tipos de sistema filosófico de interpretação diversos e até rivais entre si. E que o problema desses sistemas “está menos neles mesmos do que em sua conversão numa obsessão monomaníaca”. Não teríamos aqui uma indicação “terapêutica” preciosa sobre como a filosofia poderia se contrapor aos sintomas de enrijecimento mental fanático que se nota no cenário ideológico de nossos dias?

Exato. Um dos pontos importantes da filosofia humiana é que ela preconiza a coexistência de diferentes seitas filosóficas, assim como religiosas e políticas. Hume tem um lado cético, mas o seu ceticismo é conhecido como um ceticismo mitigado, que concede espaço e discute as opiniões aceites pelo senso comum. A conversa, a troca de opiniões é o modo como a filosofia deve “avançar” no conhecimento e refinamento das ideias. A luta contra o “enrijecimento mental fanático” de que você fala já está presente também em Locke, que escreveu a sua importante Carta sobre a tolerância. Mas enquanto para Locke a discussão se passa no plano político-jurídico, na chamada filosofia do sentimento moral, em que podemos encaixar Hume, a questão é tratada mais pelo lado do convívio entre os indivíduos, no plano ético-moral das relações sociais. Os filósofos do sentimento moral são avessos a qualquer ideia de “sistema”. Shaftesbury, que influenciou toda a filosofia do sentimento moral, escreveu que “o meio mais engenhoso” de ficar louco é aderindo a um sistema. Ele estava falando justamente do fanatismo filosófico ou religioso. Um indício claro de que a pessoa está tomada de monomania é não saber rir.  Shaftesbury introduziu a noção de riso benévolo, aquele que compreende e “sorri” das idiossincrasias de cada um, daquelas pequenas manias que são o melhor remédio contra as grandes. Sua concepção do riso surge em contraponto à “teoria clássica do riso” (estudada por Quentin Skinner), onde o riso é a marca de superioridade, tal como descrito por Hobbes e por Freud.

Caio Liudvik é tradutor, pós doutorando em psicologia e pós-doutorado em Filosofia pela USP e autor de Sartre e o pensamento mítico (Loyola, 2007).


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