Privado: São Francisco de Assis e os caminhos da literatura italiana
por Pedro Garcez Ghirardi
Foi em 1945, nos últimos meses de guerra. O trem de deportados chegava a Dachau. Entre vozes de ameaças e de súplicas, um velho à espera da morte começa a sussurrar. Os que estão a seu lado se aproximam e escutam o inimaginável naquele inferno: os versos franciscanos do Cântico das criaturas.
O relato parece a versão moderna de alguma página dos Fioretti, mas é o depoimento de um companheiro de campo de concentração. Composto no final da vida de São Francisco de Assis (1182-1226), o Cântico das criaturas (ou Cântico do irmão Sol) rapidamente se difundiu como oração. Mais tardio foi seu reconhecimento como poesia. Hoje se ressalta o valor do texto não só como inaugural na literatura italiana, mas como precursor da visão dos humanistas.
Há outra criação franciscana que, embora não ligada à palavra escrita, merece atenção, mesmo no plano da literatura. Trata-se da representação do nascimento de Jesus, no presépio de Belém. A encenação ocorreu também no final da vida do santo poeta, na aldeia de Greccio. Francisco chama os moradores e os convida a reviver a história evangélica do casal desabrigado, que encontra na manjedoura o berço da criança que nascia.
Assim surgiram, como se sabe, os familiares presépios natalinos, que resistem bravamente em tempos consumistas. É também sabido que no presépio de Greccio estão algumas das raízes do teatro medieval italiano. Pode-se ver ali a aurora da sacra rappresentazione, que receberia impulso decisivo de outro poeta franciscano, Jacopone (1230?-1306). O q
Assine a Revista Cult e
tenha acesso a conteúdos exclusivos
Assinar »