“Rua maravilha tristeza”, de Frederico Klumb, e outros lançamentos

“Rua maravilha tristeza”, de Frederico Klumb, e outros lançamentos

O escritor e cineasta Frederico Klumb tem se inserido entre o audiovisual e a poesia, com a qual foi finalista do prêmio Jabuti em 2020. Neste ano, o escritor experimenta as vicissitudes do conto em Rua maravilha tristeza (Edições Jabuticaba), lançado em agosto, ainda percorrendo uma marca de sua produção: a construção de imagens.

O ponto de partida dessa seleção de narrativas, circunscritas nos conflitos existenciais, é o diálogo entre a personagem que narra em primeira pessoa e seu pai, sentados em um restaurante na Bahia. Adotando uma atmosfera quase confessional, as particularidades dos eventos descritos na primeira história do livro, intitulada “prólogo”, transfiguram de lugar uma conversa aparentemente trivial para um sentimento pungente ao decorrer do jogo verbal na relação paterna.

Nela, o narrador cumpre a seu modo o papel de ouvinte – mas também questionador – dos detalhes da relação entre sua mãe e seu pai, sendo instigado a cada movimento das digressões e do retorno ao presente da fala do mais velho.

Nesse entrelugar do despertar e da agonia, a intensificação do drama é posta em perspectivas trabalhadas na linguagem de construção da tensão. A comunicação, perpassando por Vitória da Conquista, o teatro e a encarnação de uma Hedda, ladeiras e “coruja piando em intervalos e um ou outro caminhão cruzando o vale”, é feita a partir de uma linha quase orquestral, revisitando climas do passado, presente e futuro, além das interrupções no ambiente.

Não é somente na própria base temática escolhida, mas na técnica adotada: nela, as frases curtas e diálogos cortados fazem um caminho híbrido sob o recurso de fluxo de consciência, monólogo e interação ativa e passiva das personagens. Os primeiros elementos posicionados recordam nomes conhecidos dessa literatura, a exemplo de Samuel Rawet, Alfredo Bosi e Silvina Ocampo. Não por coincidência, Silvina é mencionada no último conto como uma das influências de Klumb.

A obra em questão, na verdade, é um panorama descritivo, imagético. A mesma sensação que se tem na segunda trama; uma Laura, Lizandro e Santiago se movendo em matagais, cabanas e aroeiras, também é a mesma na terceira, na quarta e na quinta trama, mas sem se tornar cansativa.

Diante de bíblias, televisões e sofás velhos, Vinícius, homem cujos trejeitos se empilham – igual a livros na estante – nas variações do desespero e resiliência, é transformado em observador, flâneur de hospitais e espaços externos. Cria-se uma espécie de articulação entre prosa e poesia a partir da delimitação do texto: seriado, “conto seriado”, partido em números.

No desvelar desse tecido narrativo, os tons poéticos e trechos abruptamente cortados comportam um convite ao leitor, o incitando a se deslocar entre as cenas e sua nivelação. Afinal, é nessa experiência de jogos de contraste até uma exposição direta da vida de Vinícius que é produzida a imagem e sua linguagem.

Vale mencionar “Contos do imigrante”, de Samuel Rawet, que está situado nesse ângulo de visão da literatura por tratar de uma voz que narra os estados frustrantes da alma. Em ambos escritos, os personagens contêm um caráter denso por seu lugar subalterno, mas ainda na esperança de um recomeço, encenando uma língua trabalhada nos detalhes e na cotidianidade.

Nesse processo deliberadamente limítrofe, a escolha por pontuações que ora limitam as frases ou as tornam mais intensivas é elemento diferencial no livro de Frederico.

Retornando ao segundo conto, uma aura de horror nutre uma cadência que não concede permissão aos trechos seguirem “soltos”, em debandada, mas sim em uma travessia sem pressa, surtindo efeito de arremate, clímax:

Laura ficou ali por mais algum tempo, terminando uma última garrafa de vinho, olhando o fogo crepitar e o céu escuro acima da sua cabeça. Depois de coisa de meia hora, viu uma espécie de luz verde, num matagal a cinquenta metros da cabana. Levantou, foi andando em direção ao matagal.

Esse semblante dos dias desagradáveis, da tristeza, ou, como pontua Antonio Candido acerca de uma percepção do humano sobre seu semelhante, “o conhecimento dos seres é fragmentário”, é posto em vista na noção da morte.

Giorgio Agamben, em Ideia da prosa, provoca o questionamento da morte ser uma linguagem e metáfora. O anjo da morte, que em algumas lendas se chamava Samael, é a linguagem. Esse mesmo ser celestial nos anuncia a morte, e por justamente a anunciar é que faz ela se tornar menos palatável ao homem. Desde os primórdios da humanidade, uma luta incessante é travada entre os humanos e o segredo do anjo. Contudo, somente é arrancado seu discurso inicial. Dado a inocência da linguagem, apenas quem a compreende, a aceita, é que pode eventualmente aprender a morrer.

Em suma, o lançamento do livro de contos de Klumb evoca uma noção de que seus personagens sempre estão flertando com o abismo, mas sem necessariamente cair nele (ao menos não por completo). Parafraseando uma observação da escritora Andréa del Fuego na contracapa da obra, “trata-se de um livro que nos faz vibrar não só por sua brilhante invenção, mas também pelo que existe nele de não dito, pelo próprio enigma que é a criação literária”.

Lorraine Ramos Assis é poeta, resenhista e editora, com textos publicados na Revista Caliban e São Paulo Review.


por Redação

Após duas oportunas traduções da colombiana Giovanna Rivero no Brasil (Terra fresca da sua tumba e Pra te comer melhor), sua terceira obra que nos chega é um romance de formação pontuado pelo fantástico e pelo maravilhoso, por vezes sombrio, que caracterizam suas obras anteriores. Nele, acompanhamos a trajetória de Genoveva Bravo Genovés, jovem dividida entre a educação rígida católica do ambiente social e o misticismo popular que vivencia na família, pela figura de sua avó. O conflito interno da personagem também se reflete nas tensões de sua cidade fictícia, eivada pela invasão de forças estadunidenses de combate ao narcotráfico.

Em 43 poemas, a escritora mineira tece reflexões sobre o patriarcalismo e o machismo da sociedade e as violências que impingem às mulheres e às crianças. Como na roseira do título, não se trata de seu aspecto vistoso, colorido e perfumado, mas de seus espinhos, suas dores e pavores, “a indignação que eu carrego em cada pedaço do meu corpo, desde a infância”, como diz a escritora. Ou, nas palavras de Laura Cohen Rabelo, “A Rosa de Aiezha contesta rosas anteriores: dedica-se a uma mulher de cem anos. Seu nome Rosa possui uma multiplicidade que chora, decepa, ironiza, expõe”.

Dando prosseguimento à importante empreitada de traduzir as obras completas de François Rabelais, o Terceiro, quarto e quinto livros de Pantagruel passam pelo pensamento renascentista para, pela paródia, abordar o diálogo filosófico, a ordem social medieval e os grandes temas narrativos do medievo. Atormentado por uma dúvida existencial (se seria traído ao se casar), Panurgo saí com o amigo Pantagruel em busca de uma resposta, passando por uma série de “consultas”, por uma navegação aos moldes do Santo Graal por diversas ilhas fantásticas, até chegarem a Poitou, onde o oráculo da Divina Garrafa pode guardar uma possível resposta.


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