Rastros, restos e ruínas do trauma
Alguma coisa falta dizer em tudo que se diz (Reprodução)
É difícil encorajar alguém a verter em palavras uma experiência de perplexidade vivida, sofrida, testemunhada. A palavra não representa solução nem promete lenitivo para um dano sofrido. Seus efeitos são bem outros.
O silêncio, o mutismo, a tensão calada, por outro lado, não guardam e nem comportam segredo, impossibilitando a transmissão pública e contribuindo para a ignorância social sobre um passado atroz. Os que silenciam, de algum modo, deliberada ou inconscientemente, portam um saber sobre isso.
É apenas nesse sentido, talvez, que o dever de dizer adquire algum sentido prospectivo, mas também se inscreve nessa ética um traço de dissabor, profunda tristeza e fracasso. Alguma coisa falta dizer em tudo que se diz, em tudo que se pode dizer sobre as catástrofes sociais e políticas empreendidas e vividas por humanos.
Dever de contribuir para que outros saibam, conheçam, tenham notícia daquilo que jamais estará acessível pela experiência é, antes de ser objetivo, necessário e nobre, difícil e custoso. Mas mesmo que nenhuma palavra seja proferida sobre um passado doloroso, há imponderáveis transmissões sorrateiras e inconscientes disparadas e em curso, e que permanecem produzindo e escancarando repetições intermináveis nos sujeitos, nas formas de governo e nas formações e deformações sociais e culturais.
O trauma não é um acontecimento pontual e doloroso que mina energias e destrói esperanças no tempo imediato. Ao contrário, ele se traduz em sina, enigma e tarefa no tempo vindouro.
Infenso à interpretação, à compre
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