Quem será o “terrorista” da vez?
Em qualquer momento, pode ser votado no Congresso o PLC 101/15. Apesar de apresentado há pouco mais de três meses, o projeto teve a tramitação acelerada e sem o necessário debate público prévio.
A matéria tratada é de enorme importância. O PLC em tela institui o crime de terrorismo no Brasil, respondendo a uma recomendação do GAFI (Grupo de Ação Financeira contra Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), entidade que sequer pertence ao sistema das Nações Unidas e cujas decisões não são de cumprimento obrigatório.
É fundamental que todxs defensorxs de direitos humanos se unam, cobrando parlamentares e a Presidenta para que não seja aprovado esse projeto de lei que significa um grave retrocesso para as liberdades públicas e os direitos democráticos que hoje garantem um mínimo de abertura para que se desenvolvam as lutas sociais em nosso país.
A pergunta que incomoda e que temos de nos fazer é: “Quem será o ‘terrorista’ da vez?”
Confiram a carta aberta à Presidenta Dilma sobre o tema:
São Paulo/Brasília, 19 de outubro de 2015.
Carta aberta à Presidenta Dilma Rousseff
Passou o tempo em que nós, defensores e defensoras de direitos humanos, lutadores e lutadoras incansáveis pela democracia e o Estado de Direito, éramos acusados pelas autoridades, pela mídia e por amplos setores da sociedade de sermos “terroristas”. Pagamos a pecha injusta com a tortura de nossos corpos, a restrição de nossa liberdade e o desaparecimento de nossos amigos e familiares.
O estrago histórico e profundo de leis “antiterroristas” não se verifica apenas no Brasil. O termo é tão subjetivo e flexível que já foi usado para classificar pessoas como ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, o pastor norte-americano Martin Luther King, o líder espiritual Dalai Lama, a ativista e política birmanesa Aung San Suu Kyi e o ex-presidente do Uruguai, José Pepe Mujica – referências sempre atuais e necessárias quando o assunto são liberdades e garantias fundamentais.
Aqui, como ali, o conceito de terrorismo serviu aos interesses de diferentes grupos de poder, dançando perigosamente ao ritmo das mudanças políticas e econômicas.
Temos de superar esse passado.
Não cabe ao Brasil de hoje a desnecessária e inconstitucional tipificação de um crime de “terrorismo”, como propõe o governo federal com apoio massivo do Congresso Nacional. A prática mostra que legislações assim, no Brasil e no mundo, têm sido usadas repetidamente para intimidar, controlar e impedir o exercício de garantias previstas na Constituição, como os direitos de ir e vir, de associação e de manifestação.
A proposta reabre a possibilidade de enquadrar organizações, movimentos e ativistas por simplesmente reivindicarem direitos conquistados ou a conquistar. As ressalvas do texto aparentemente minguariam essa possibilidade, mas todos que lidamos com a Justiça que acontece na prática sabemos que a falta de delimitação clara do novo crime abre portas para a instrumentalização, o aparelhamento e o uso político do texto a fim limitar a atuação da sociedade civil.
Além disso, essa lei, se sancionada, não tornará o País mais seguro. Hoje, atos criminosos abarcados pelo texto já podem ser julgados em sua integralidade com o arcabouço penal de que dispomos.
Nós, vítimas da tipificação do terrorismo no passado, condenamos o PLC 101/2015. Não admitimos retrocessos em um âmbito tão sensível, que custou tão caro para todos aqueles que lutaram por esses mesmos direitos no passado.
Esperamos que governo se empenhe em reparar o erro de enviar a proposta ao Congresso, sob o risco de passar à história como artífice de um dos mais graves retrocessos em direitos humanos da jovem democracia brasileira.
Adriano Diogo
Ana Maria Ramos Estevão
Crimeia Alice Schmidt de Almeida
Jessica Carvalho Morris
Maria Amélia de Almeida Teles
Maria Abramo C. Brant
Maria Cecília Figueira de Mello
Maria Rita Kehl
Marijane Vieira Lisboa
Regina Maria Bueno de Azevedo
Renan Quinalha
Sônia Irene Silva do Carmo Vilma Amaro