Quando “A mulher submersa” emite sua voz

Quando “A mulher submersa” emite sua voz

 

quando escrevi a Mar Becker
e disse que queria tocar suas palavras,
fiquei com medo de redigir seu nome:

M   A   R

outro nome
para o infinito,

outro nome
para a densidade das matérias salinas,

outro nome
para os movimentos revoltosos das águas,
que nos afundam na espessura verde-esmeralda,

outro nome
para a calmaria repetitiva das ondas noturnas,
que embala o tempo sem saída,

outro nome
para a conjunção vida e morte.

a verdade é que quando escrevi

M   A   R       B   E   C   K   E   R

já tinha encontrado o cheiro de suas palavras
com a brisa que o carrega.

quando toquei com meus olhos
as páginas de seu livro,
senti penetrar em mim
a distância dos silêncios,
a ausência que não é vazia.

quando tateei com meus olhos
as palavras de seus poemas,
avistei nos buracos,
vales e montanhas,
intransponíveis.

um horizonte longínquo,
inalcançável.

e na orelha de Micheliny Verunschk
sussurrou Ofélia,
a figura que me perturbava
como mulher-morta.

uma MULHER SUBMERSA
nunca está morta.

o sopro de suas letras é suave,
mas o frêmito
é indelével.

imprime marcas
aquém da história.

o rumor de uma brisa
sempre pode ser estrondoso
– tudo depende dos silêncios
que o acompanham.

quando a fragilidade
crava sua força,
embarcamos em outro tempo,
outro espaço.

é penoso regressar
depois do abalo.

as unhas fincam-se no chão,
e a força arrasta o corpo
no difícil retorno.

soerguê-lo é signo fatal
do regresso.

***

nenhuma mulher submersa
é sem voz.

em suas palavras feridas,
murmúrios da morte
e entonações da vida.

Mar Becker auscultou
diminutos grãos
de vida e morte.

em cada um deles
concentrava-se todo o amor
capaz de existir.

 

Alessandra Affortunati Martins é psicanalista e doutora em Psicologia Social e do Trabalho pela USP. Autora de Sublimação e Unheimliche (Pearson, 2017), O sensível e a abstração: três ensaios sobre o Moisés de Freud (E-galáxia, 2020) e organizadora de Freud e o patriarcado (Hedra, 2020).


por Redação

No romance de estreia do poeta cearense Tito Leite, acompanhamos a trajetória de Leonardo de volta à sua cidade natal, Dilúvio das Almas, no Nordeste, após anos morando em São Paulo. Apesar da passagem do tempo, a pequena cidade cearense não parece ter mudado muito: desigualdade, corrupção e violência assolam o povoado, o que faz Leonardo questionar seu próprio movimento de retorno. Entre o filosófico e o poético, o romance traça uma reflexão sobre o passado e as dificuldades de reinventá-lo. O autor, que também é monge beneditino, já havia publicado dois livros de poesia.

Primeiro livro de poemas de Bei Dao publicado no Brasil, a antologia Não acredito no eco dos trovões reúne 81 poemas do escritor chinês. Para Yao Feng, que assina a tradução junto com Huang Lin, Manuela Carvalho e José Luis Peixoto, a escrita de Bei Dao é “firme e poderosa, impregnada desde o início pelo espírito rebelde contra a violência, a barbárie e a opressão do poder político ao homem”. Esse é um dos motivos que o torna um dos mais aclamados poetas chineses da atualidade. Ao livrar a poesia do discurso convencionado pela política, o autor renovou o estilo de poesia praticado na China. “No estrangeiro”, Bei Dao “é lembrado como um poeta dissidente que ousou levantar a voz contra uma época intolerante em que a dignidade humana era menosprezada e oprimida”, anota ainda Yao Feng em seu prefácio.

Primeira obra da trilogia dos anos maduros do escritor japonês Kenzaburo Oe, ganhador do Nobel de Literatura em 1994, A substituição entrelaça diversos elementos autobiográficos à ficção. Nesse movimento, o autor incorpora mesmo pessoas muito próximas dele à narrativa, como o seu cunhado e cineasta Juzo Itami, o filho Hikari e a irmã de sua esposa, Juzo Itami. O subtítulo da obra, “As regras do tagame”, remete a um besouro marinho, e funciona como artifício literário para Oe amarrar a trajetória dos protagonistas Goro, inspirado em seu cunhado, e Kogito, o escritor de sucesso que passa por um período de desprestígio e queda de vendas.

Parcours, em francês, significa percurso. A palavra originou Parkour, nome do esporte em que o atleta, com o próprio corpo, precisa ultrapassar obstáculos de forma rápida e eficiente. Parkour também é o título do novo livro de poemas da poeta mineira Laura Assis. A palavra já deixa entrever duas dimensões de sua obra: um percurso pela trajetória poética da autora; e uma poética que se inspira na superação de obstáculos, “tensão de um corpo que não se coloca como simples agente de saltos, mas como território — lugar de desejo e lugar de violências — onde se estabelecem diversas relações”, como escreve a editora. A língua, portanto, se faz corpo atravessado por metáforas de desejo e de músculo, “enquanto se proclama nem sempre legível”, continua o texto. “Tal ilegibilidade é colocada sobretudo para afirmar essa comunidade que precisa estar viva, e se constrói em uma opacidade disfarçada, oferecendo um segredo como quem convida a um pacto silencioso.”


> Assine a Cult. A mais longeva revista de cultura do Brasil precisa de você. 

Deixe o seu comentário

TV Cult