Dossiê | Psicanálise: o corpo falante

Dossiê | Psicanálise: o corpo falante
A substância do corpo é o gozo (Arte Andreia Freire / Foto Harold Edgerton / Reprodução)
  Alice está maravilhada: o gato se estira, seu corpo se estende devagar, alonga a cauda e vai-se embora. Mas seu sorriso fica. “Já tinha visto muitos gatos sem sorriso, mas sorriso sem gato?” Que tipo de corpo é um sorriso sem o gato? É o que podemos chamar de um corpo tomado não apenas no registro da totalidade ou da unidade sintética que sua superfície empresta ao eu, não apenas no registro da forma ou da imagem, mas no do acontecimento. Um fragmento póstumo de Nietzsche diz o seguinte: “Que o homem-gato sempre recaia de novo sobre suas quatro pernas – eu quis dizer: sobre a única perna, o eu –, isso é apenas um sintoma de sua unidade fisiológica, mais corretamente, de sua ‘reunião’: nenhum motivo para se crer numa ‘unidade anímica’”. Quando essa ‘unidade anímica’ se esfuma, se despedaça, nasce a prática a que Freud daria o nome de psicanálise. Qual o lugar do corpo nessa prática, toda ela fundada na palavra? É correto dizer que o corpo que interessa à psicanálise é o sorriso sem o gato, é o homem-gato que não necessariamente recai sobre quatro pernas, cujo eu se desequilibra, tropeça? Afinal, o sorriso só tem o estatuto de acontecimento quando o corpo está em suspensão, pelo menos do ponto de vista da técnica ou da intervenção direta, do mesmo modo como o corpo só fala, realmente, quando alguma coisa claudica. O paciente se alonga ao divã, estira seu corpo, ajeita a almofada e é convidado a falar. Mas ele toma a palavra de um jeito que não pode fazer em qualquer lugar. Com efeito, o divã é a material

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