Por que os economistas erram tanto em suas previsões?

Por que os economistas erram tanto em suas previsões?
(Arte Andreia Freire)

 

Há cento e cinquenta anos, Marx publicava o livro primeiro de O capital. Nele, faz recorrentemente críticas aos economistas que chamou de vulgares Estes constituem os antecessores da corrente teórica ortodoxa ou neoclássica, da qual evoluíram diversas linhas até chegar à dos ultraliberais, cujos fundadores podemos considerar Ludwig Von Mises e Friedrich Von Hayek (gurus de vários grupos políticos e de movimentos de direita e extrema direita por todo mundo).

Um de seus principais pontos teóricos é contra o Estado ou a intervenção estatal. Em obras diversas defendem que se deve acabar com o Estado, com o Banco Central, desestatizar a moeda; defendem a privatização da educação, da saúde, da previdência, da segurança pública, da defesa, da justiça e de tudo que se considera atividade ou exclusividade do que se costuma chamar de setor público. No limite, os autodenominados anarcocapitalistas propõem o fim do Estado. Um capitalismo sem Estado capitalista. O argumento principal, em todas as diferentes alternativas teóricas, é a ineficiência e/ou a ineficácia do Estado. O mercado é sempre superior ao Estado, pois ele tem como tendência inexorável o equilíbrio; se não fossem as intervenções do político sobre o econômico.

Outra herança teórica dos economistas e autores neoclássicos é a vertente heterodoxa, cujos intelectuais mais importantes partem de John M. Keynes e de seus discípulos, keynesianos, novos keynesianos e pós-keynesianos. Estes negam a tendência automática ao equilíbrio e defendem a necessidade da intervenção ou da regulação estatal como alternativa à anarquia do mercado.

Keynes, por exemplo, aceitava que a tendência histórica do capitalismo era a sua transformação em socialismo e, por isso, ele se colocou como tarefa elaborar estudos sobre o capitalismo para mantê-lo o máximo possível. Assim, ele cinicamente considerava que “o dia em que a abundância de capital venha a interferir com a abundância da produção pode ser postergado à medida que os milionários encontrem satisfação em edificar vastas mansões para nelas morarem enquanto vivos e pirâmides para se recolherem depois de mortos, ou arrependidos de seus pecados, levantem catedrais e dotem mosteiros ou missões no estrangeiro”. Nada disso se confirmou e as políticas econômicas estatais não conseguiram, igualmente, acabar com as crises do capital. Assim, as contradições próprias e inerentes ao capital estão espalhando o caos por todo o planeta.

Essas duas correntes e suas variantes, em seus mais diferentes matizes, estão se digladiando há décadas no campo do ensino e da formação dos economistas assim como na gestão estatal das políticas econômicas em todas as sociedades onde domina o modo de produção capitalista. Da mesma forma, são estes economistas que estão presentes nos diferentes organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, assim como nos governos dos mais diferentes países, inclusive em vários daqueles considerados de “esquerda”, elaborando programas, projetos e políticas macroeconômicas.

O que podemos aprender com Marx cento e cinquenta anos depois, sobre o capitalismo e suas crises, neste período de aguda crise mundial?

Para Marx, as crises não são decorrentes de causas externas, como defendem os ortodoxos, e nem de problemas ou falta de controle ou regulação, como defendem os heterodoxos. As crises são inerentes à própria forma de desenvolvimento do capital. Ou seja, o próprio desenvolvimento da sociedade capitalista engendra suas crises e em patamares cada vez mais graves.

As crises se manifestam como crises de superacumulação do capital, a “abundância de capital”, segundo Keynes, em suas diferentes formas. Essas crises têm como um de seus principais determinantes a lei da tendência à queda na taxa de lucro. Esta lei está inscrita no interior do processo de acumulação no qual a concorrência entre os capitais, que acelera a concentração e centralização dos capitais, pressiona continuamente a tendência à queda na taxa de lucro. Mas as diferentes unidades e frações do capital percebem o funcionamento desta lei ao contrário e, contraditoriamente, buscam aumentar suas taxas particulares de lucro, cujo resultado é a pressão sobre a queda na taxa de lucro. Da mesma forma, a “abundância de capital” aparece para os economistas vulgares como falta de capital.

Uma das consequências do processo de desenvolvimento dessa lei econômica aparece como um agudo processo de desqualificação e desemprego da força de trabalho, pois a concorrência entre os capitalistas promove continuamente a substituição da força de trabalho por capital fixo. Outra consequência aparece como um agudo processo de concentração da propriedade e da renda. No qual capitalistas em número cada vez menor e mais ricos se opõem a trabalhadores em número cada vez maior e mais pobres.

Mas o efeito principal da dinâmica da acumulação transformou historicamente as determinações através da expansão e domínio do sistema de crédito. Assim, o circuito do Capital monetário vai aparecer da seguinte forma, no livro 3 d´O capital: D – D – M …P… M´ – D’ – D’. Um primeiro momento, D – D, onde aparece o capital a juros emprestado ao capitalista industrial pelo financista e a conclusão final, D’ – D’, com a amortização do empréstimo e o pagamento de juros.

O desenvolvimento contemporâneo do sistema de crédito, associado a mercados financeiros hipertrofiados, com capitais monetários coagulados em várias formas de capital fictício, tem levado a crise atual a limites não atingidos anteriormente. A contradição interna ao circuito D – M …P… M’ – D’, busca se resolver em última instância no Estado, explodindo suas capacidades orçamentárias e financeiras. Assim, em muitos países o endividamento público, uma das formas do capital fictício segundo Marx, tem atingido limites insuportáveis, exigindo parcelas cada vez maiores do mais valor captado através dos impostos cobrados pelo Estado.

São estas relações orgânicas entre o capital e o Estado que escapam às análises e interpretações da economia vulgar e, portanto, também de suas propostas de política econômica. Além disso, a compreensão que obtemos a partir de Marx nos mostra que o capitalismo atingiu seus limites, parafraseando Samir Amin, as forças destrutivas do capital já superaram amplamente suas forças criativas, abrindo caminho para a necessidade de organização de uma nova forma de sociedade.


PAULO NAKATANI é doutor em Ciências Econômicas pela Université de Picardie e professor titular do Departamento de Economia da UFES

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