Pollock, leitor de Joyce

Pollock, leitor de Joyce
O pintor Jackson Pollock, 1950 (Foto: Hans Namuth)

 

A familiaridade do pintor norte-americano Jackson Pollock (1912-1956) com a obra do romancista irlandês James Joyce (1882-1941) é pouco comentada, mas talvez este mês seja o momento de falar dela: no dia 16 de junho se comemora, em várias cidades do mundo, inclusive no Brasil, o Bloomsday, ou o dia de Bloom, que é o protagonista do clássico Ulisses (1922). Essa celebração literária também permite reavaliar a influência de Joyce no mundo das artes.

Pollock adorava ouvir a gravação que Joyce fez em 1929 de um trecho de Finnegans wake (1939), intitulado “Anna Livia Plurabelle”. Uma de suas telas mais importantes, Full Fathom Five (A cinco braças), de 1947, traria alguma influência desse interesse pela obra do irlandês. O título provém de um verso do Ato I da peça A tempestade, de William Shakespeare (1564-1616), que trata, entre outras coisas, das transformações dos ossos do progenitor afogado em coral, mas essa expressão teria chegado a Pollock através de Joyce.

Sabe-se que o título foi sugerido a Pollock pelo tradutor Ralph Manheim, que depois, recorrendo à mesma passagem da peça, deu nome a outras telas do pintor, como Sea Change (Mudança profunda), a qual, segundo os críticos, está claramente relacionada com a anterior, embora seja menos complexa do que ela. Na opinião do estudioso Evan Firestone, essa expressão, “a cinco braças”, já era conhecida de Pollock, que a teria encontrado, não na peça de Shakespeare, mas no romance Ulisses, onde ela de fato aparece. Assim, logo no início do romance, um barqueiro afirma (na tradução de Caetano Galindo): “São cinco braças, lá, ele disse. Vai ser varrido pra lá quando a maré encher lá pela uma. Dá nove dias hoje”.

Embora Pollock não fosse um grande leitor, ele apreciava Joyce, segundo seus biógrafos, e adquiriu seus livros. Afirma Ellen G. Landau que Pollock também consultou alguns estudos sobre a obra do escritor. Um dos amigos íntimos de Pollock, o arquiteto e escultor Tony Smith (1912-1980), recitava para ele de memória trechos de Joyce. Foi ele, aliás, quem incentivou Pollock a ler, além de Ulisses, também o “ilegível” Finnegans Wake.

A obra de Pollock, segundo certos críticos, teria similaridades com os experimentos linguísticos de Joyce. Os dois artistas, na avalição de Landau, inviabilizaram hierarquias a partir do momento em que assumiram como válidas todas as possibilidades expressivas na arte. Em Full Fathom Five, assim como em Galaxy (1947), Pollock engastou pedras na tela (antes dessa experiência já havia usado areia), além de tachinhas, pregos, chaves, pentes, bitucas, fósforos… Algo similar Joyce havia feito com palavras, quando empregou indistintamente em seus romances termos nobres e vulgares.

O novo estilo de Pollock, o qual iria transformá-lo mundo afora em mestre de muitas gerações, poderia ser comparado, conclui Ellen G. Landau, àquele tipo de prosa que se universalizou na modernidade, feito de numerosas justaposições estranhas, numa atitude irreverente com relação às normas literárias, pois todos os estilos pareciam justificados, como nas obras finais de Joyce.

O crítico Clement Greenberg, que considerava Pollock “o melhor pintor de toda uma geração”, propôs que a sua pintura mais radical, feita com a tela estendida no chão, na qual o artista podia caminhar, seria comparável a uma composição musical dodecafônica. No plano literário, ele apontou a semelhança dessas telas com as obras inclassificáveis de Gertrude Stein (1874-1946) e James Joyce. As famosas pinturas “cheias” de Pollock teriam levado avante, no campo das artes plásticas, as conquistas técnicas desses dois escritores da língua inglesa. Greenberg destaca algo aparentemente “antiestético” nas obras dos três artistas: a uniformidade da superfície (ou da página), onde se acumulam repetições. No entanto, são obras esteticamente bem-sucedidas, na sua avaliação, pois a “monotonia” delas não seria um defeito, mas uma característica inovadora.

Talvez o termo “monotonia”, utilizado por Greenberg, não descreva corretamente a ebulição que essa tendência artística expressa.

As telas de Pollock poderiam nos ensinar a ler Joyce hoje.

Sérgio Medeiros é poeta e artista visual. Publicou, entre outros livros de poesia, Friso de caligrafia e outros poemas (Iluminuras) e Dicionário de hieróglifos (Rafael Copetti Editor).


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