Philip Glass

Philip Glass

Marília Kodic

Embora associado ao minimalismo musical, não há nada de minimalista na carreira de Philip Glass. Aos 75 anos, ele é o compositor de música clássica vivo mais influente do mundo, tendo trabalhado com artistas como Björk, Patti Smith, Mick Jagger e David Bowie.

No cinema, fez trilhas para diversos filmes, entre eles o cult Koyaanisqatsi (1982), de Godfrey Reggio, e Kundun (1997), de Martin Scorsese, para o qual foi indicado ao Oscar.

No portfólio estão ainda duas outras indicações ao Oscar, uma contribuição para a série infantil Vila Sésamo e a co-fundação da Tibet House (Casa do Tibete), em Nova York, junto com o ator Richard Gere, além de mais de 60 discos, dez sinfonias e diversos quartetos de cordas e sonatas instrumentais.

Leia a seguir a entrevista que o compositor concedeu à CULT, por telefone.

CULT – Qual é seu compositor favorito?

Philip Glass – Acho que [Johann Sebastian] Bach. É o músico de quem aprendi tudo. Ele clareou a linguagem de modo que todo mundo pudesse usá-la. Ele forneceu as ferramentas e mostrou como usá-las.

E em relação aos contemporâneos, quem admira?

Muitos. Dos compositores, dois dos meus preferidos são David Byrne e Paul Simon. Em termos de música contemporânea, Arvo Pärt certamente é um favorito.

Em relação ao desempenho, Wilhelm Cramer é um violonista maravilhoso, assim como Tim Fain, que está comigo no Brasil. De cantores, acabei de fazer um arranjo de uma música de Bob Dylan chamada “Don’t Think Twice, It’s All Right”.

Tenho admiração por todos os tipos de música. Para mim, um tipo de música não é melhor do que o outro, nunca pensei numa categoria como sendo superior à outra.

Acredita que houve algum momento específico que tenha sido decisivo na sua carreira?

Há provavelmente duas dúzias deles (risos). Não existe um fato isolado, mas coisas que aconteceram em sequência, como quando fiz o filme Koyaanisqatsi, a ópera Satyagraha (1980), sobre Gandhi, e as sinfonias baseadas em David Bowie.

O que há, para todo artista, são estágios da carreira em que coisas importantes acontecem.

Quando eu tinha 30 anos, estava fazendo música em frente a uma plateia – eu não conseguia viver disso, mas não media o sucesso pelo dinheiro, e sim pela atividade.

Então sou um compositor bem-sucedido há 40 anos. Mas isso não aconteceu imediatamente. Na música clássica, é muito mais devagar do que com música popular. Mas dura mais.

O sr. mencionou as sinfonias inspiradas pelos discos homônimos de David Bowie e Brian Eno, Low (1992) e Heroes(1996). Pode falar sobre essa influência?

Acho que os álbuns têm grandes canções, lindas melodias, e eu as usei como base. Conheci David e Brian quando eram estudantes no Royal College of Art, talvez em 1971, quando fui fazer um concerto lá. Então eles vieram a Nova York cinco ou seis anos depois, nos tornamos amigos e mantivemos contato.

Eventualmente, propus a ideia a eles e gostaram muito, então foi uma colaboração muito legal. E eu sei que, quando David estava fazendo seus shows, naquele tempo, ele tocava minha gravação deHeroes, então sei que ele gostou.

Composições biográficas são comuns no seu trabalho – o sr. já teve como inspiração para músicas o fotógrafo Eadweard Muybridge, o diretor Jean Cocteau e o ativista Martin Luther King Jr. Como faz essa seleção?

Escolho baseado no que suas vidas representam. A maioria deles foi muito importante para mudar o modo como pensamos o mundo, não através de política ou guerra, mas de ideias.

Pessoas como Gandhi e sua ideia de mudança social, ou como Einstein, que mudou o mundo através da ciência, ou ainda Galileo, através da observação.

Essas são pessoas que mudaram o curso da história através de ideias criativas.

O sr. adaptou para a música obras literárias de Edgar Allan Poe, Franz Kafka, J.M. Coetzee e muitos outros. Que critério usa para escolher os textos?

Tem que ser interessante. Por exemplo, Doris Lessing escreveu O Planeta 8: Operação-Salvamento, que é sobre um planeta que está condenado pois seu clima está mudando – ela escreveu isso nos anos 1980. Eu queria fazer uma ópera, e ela me deu os direitos para tanto.

Eu costumo trabalhar com autores que conheço e de que gosto muito, como Allen Ginsberg e Christopher Hampton – um escritor de teatro e cinema com quem trabalho bastante. Entre meus autores preferidos estão também Joseph Conrad e, é claro, Shakespeare.

O sr. fez músicas para diversas peças de Samuel Beckett. O que admira no dramaturgo?

Sim, fiz uma dezena delas. Ele foi um dos grandes escritores do século 20. Inventou um modo de escrever peças que era completamente novo, em que o processo da peça em si se torna a história, não é preciso contá-la.

Então havia essa ideia de que você não precisa de um enredo no sentido convencional; o ato da performance e a ação de falar, por si só, são interessantes.

Elas eram muito engraçadas, eu sempre as achei hilárias, mas algumas pessoas as acham muito tristes. Não sei, talvez tivéssemos diferentes modos de olhá-las.

E como era sua relação com Beckett?

Eu tinha um bom relacionamento com ele, mas através de seu trabalho. Durante o período em que estava escrevendo música para suas peças, morava em Paris, e nós discutíamos isso. Mas ele não gostava de encontros, então eu recebia cartas e comentários. Ele trabalhou comigo em diversas peças.

É verdade que ele desaprovou da produção de Fim de Partida(1984), que estrearia no American Repertory Theater, nos Estados Unidos?

Não, não é verdade. Havia uma companhia em Londres que tinha sua própria produção de Fim de Partida na Broadway, e eles não queriam que outra fosse feita. Então contaram um monte de histórias esquisitas.

Basicamente, era uma discussão sobre dinheiro, e não tinha nada a ver com ele. Tinha a ver com controle de território, sabe? Beckett não era assim, ele tinha muito interesse e gostava muito do meu trabalho. Então essa história é nonsense, não ligue para ela.

Há  outra história polêmica envolvendo sua obra Itaipu, de 1989, que divide nome com o projeto hidroelétrico feito durante o regime militar e que causou danos ambientais e sociais ao país. Na época, o sr. recebeu muitas críticas. Gostaria de esclarecer o episódio?

Fui ver o lugar, me interessei pelo que estava acontecendo e escrevi a música. O texto é dos índios guaranis e é sobre o rio, o som das pedras na água. Se lê-lo, irá ver sobre o que é: um lugar que tem o poder na natureza e da cultura humana.

Então não era sobre a usina hidrelétrica?

Bem, estava acontecendo, então obviamente tem a ver. Essas coisas acontecem no mundo todo, esses conflitos entre tecnologia e tradição. Há muita tensão quando há ameaça ao meio ambiente. Tudo o que essa música faz é celebrar algo que está lá tradicionalmente.

Não pensei que tivesse que fazer uma declaração política, não é minha função. Eu queria fazer uma declaração sobre cultura. Nada do que eu dissesse iria impedir aquilo de acontecer mesmo, então qual o sentido?

Qual a sua relação com o Brasil?

Volto de quando em quando. É um país muito rico, especialmente na música. A música popular no Brasil é a mais altamente desenvolvida mundialmente, em termos de riqueza, expressividade e quantidade de talento. E, é claro, a beleza física do país, com lugares como Foz do Iguaçu.

Escrevi uma ópera chamada Corvo Branco em português, sobre a descoberta do Brasil, sua europeização, me interessei muito por isso. E aqui em Nova York ouvimos todo mundo, como Jobim. Caetano Veloso vem regularmente, temos até um clube chamado “SOB – Sounds of Brazil”, e nas ruas você ouve português em todo lugar… Vocês são pessoas populares, estão por toda a parte (risos).

O sr. escreveu a trilha para o filme Nosso Lar (2010), de Wagner de Assis, sobre Chico Xavier. Por que aceitou o trabalho? Já tinha ouvido falar de Chico Xavier?

O Wagner me ligou e falou sobre a ideia, veio me ver em Nova York e me deu alguns livros. Eu vi o cenário, e era um filme interessante. Nunca tinha ouvido falar de Chico Xavier e ainda sei pouco sobre ele, mas ele é bem conhecido no Brasil, com ideias sobre vida após a morte, reencarnação, essas coisas – ideias não necessariamente extraordinárias, mas ele parecia expressá-las bem e tinha muitos discípulos.

Qual é a sua religião?

Não tenho religião. Mas não importa, não preciso acreditar nas coisas para escrever sobre elas. Quando você morre, você morre, e o que tiver de acontecer acontecerá. Se você acredita ou não, é completamente irrelevante, e não importa que nome dê à religião. O que importa é o efeito que isso tem sobre como as pessoas vivem.

O sr. fundou, nos Estados Unidos, juntamente com Robert Thurman e Richard Gere, a Tibet House (Casa do Tibete), em 1987. Por que é importante, para o sr., disseminar essa cultura?

Ao invés de me assustar com o desconhecido, minha estratégia foi abraçá-lo. Estava viajando ao norte da Índia em 1966 e vi diversos campos de refugiados, e não tinha ideia de quem essas pessoas eram, não sabia nem que a China havia invadido o Tibete. Me interessei pelo modo como a expressão artística se desenvolvia em lugares diferentes.

Uma das características dos Estados Unidos – e isso pode ser dito do Brasil também – é o fluxo de pessoas de outras nacionalidades, que trazem talento, energia e novas ideias culturais.

A ideia foi criar um lugar que representasse a cultura do Tibete, onde se pudesse ler livros, fazer pinturas e começar a entender aquilo, pois, lembre-se, estávamos nos anos 1980, ninguém se mobilizava muito. Hoje, eles têm famílias, empresas, mas se prendem à sua cultura, nutrem e guardam suas tradições.

Está  trabalhando em algo novo?

Estou escrevendo uma ópera para uma companhia austríaca e um livro sobre música, além de estar completando algumas peças para piano.

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