Pela via política

Pela via política

Para o filósofo Leandro Konder, a resistência substituiu o conceito de revolução, porque “resistir é uma forma de ação hoje”

Patricia De Cia

Intelectual marxista, o filósofo e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janei5ro (PUC-RJ) Leandro Konder, 69 anos, continua a acreditar no caminho político como forma de resistir à globalização e seus efeitos. Militante do Partido Comunista Brasileiro – ao qual foi apresentado pelo pai, o sanitarista Valério Konder – entre os 15 e 47 anos, Konder viveu exilado na Alemanha e na França durante a década de 1970. Após seu regresso ao país, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT), do qual se desligou após a expulsão de membros “radicais” do partido, dentre eles a senadora Heloísa Helena. Hoje é um dos 101 fundadores do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), criado pela senadora.

Autor de 25 livros, incluindo A derrota da dialética (1987) e Fourier, o socialismo do prazer (1998) e As artes da palavra – Elementos para uma poética marxista, recém-lançado pela Boitempo Editorial, Konder conserva uma dúvida fundamental sobre as estratégias adotadas pelos movimentos antiglobalização: como transformá-las em efetiva ação política? “O plano dos costumes e da cultura é mais fácil de ser ocupado, mas não há condições de interferir rapidamente e de forma incisiva no mundo político”, afirmou ele à CULT, em uma conversa realizada por telefone. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Leandro Konder.

Globalização

A globalização é um processo contraditório que não resolve as contradições do modo de produção capitalista. A globalização as eleva a um nível superior, mas não as resolve. Dessas contradições nascem as variadas formas de resistência. O modo de produção capitalista tem uma enorme capacidade de manobra, o capital tem uma desenvoltura crescente. Se Marx ressuscitasse hoje, acho que se suicidaria e voltaria para o túmulo.

O caminho político

A primeira forma de resistência é o caminho político, a reutilização da ação partidária, que, apesar de estar um pouco desgastada atualmente – uma posição que não dá muito fôlego ao teórico -, é necessária. Os partidos têm de se renovar. Eu preciso dizer que sou um dos 101 fundadores do PSOL, partido da senadora Heloísa Helena. Estou tentando encontrar um caminho, tentando resolver o problema da minha participação, mas não posso garantir que vá dar certo. Comecei a fazer política com 15 anos e, aos 20, me considerava um veterano. Na época, me perguntava que seria de mim aos 70 se chegasse lá. Cheguei com as mesmas dificuldades e problemas, certa insatisfação, rebeldia para questionar as instituições, o Estado brasileiro. Continuo na briga, sou incurável. Eu me sinto meio impotente, mas me dá certa alegria quando escrevo alguma coisa que consegue aporrinhar os donos do poder. Criar a ilusão de um novo PT seria trágico.

A crise do PT

O PT foi criado para uma coisa e acabou virando outra. Não me sinto em condições de fazer uma avaliação capaz da gravidade da crise do PT. Mesmo nos meus momentos de maior pessimismo, não imaginava, não esperava o que veio a acontecer. Você faz política, você administra o conflito e a negociação. O PT preparou-se para negociar. No momento de negociar efetivamente, após a vitória do Lula com 52% dos votos, deixou passar. Foi negociar depois e fez muitas concessões, até mais do que o admissível. É  nesse momento que se infiltra a ideologia dominante, para usar uma expressão do marxismo clássico.

Terrorismo

O terrorismo é ditado pelo desespero, pelo isolamento. O discurso liberal se declara pluralista, tolerante, mas não é dessa forma. Na última viagem que fiz à Europa, conversei com as pessoas na rua, motoristas de táxi, garçons, em Paris, e o sentimento antiárabe, antimuçulmano é fortíssimo. Há uma discriminação total ao mundo do Islã, ao islamismo, que é a religião que mais cresce atualmente. À medida que existe essa discriminação, militantes fanáticos criam as organizações terroristas e praticam esses atos que, na organização mundial atual, não funcionam. Por exemplo, as práticas terroristas durante a resistência francesa à ocupação nazista eram uma atividade imposta pelos alemães e, ao mesmo tempo, estavam articuladas com uma proposta política bem definida e viável. Os terroristas islâmicos recorrem a práticas muito mais destrutivas, como as Torres Gêmeas.

Fundamentalismo e democracia

Os terroristas islâmicos não estão preocupados com uma questão essencial: sua imagem aos olhos da opinião pública. Querem fazer campanha publicitária em torno de sua existência e objetivos. Essa imagem só pode sensibilizar setores já predispostos a apoiá-los, mas não amplia a mobilização contra a violência e a opressão da qual eles são vítimas. Os atuais terroristas tentam reforçar um sentimento de guerra, com seus homens-bomba, quase como os pilotos suicidas japoneses da 2ª Guerra Mundial. Mas a opinião pública mundial não vê a situação como uma guerra. Essas práticas terroristas são politicamente equivocadas. O conservador e intolerante da política norte-americana em geral. Nem os fundamentalistas muçulmanos, nem os fundamentalistas cristãos. São dois caminhos cuja conseqüência são funestas, desastrosas para a democracia.

Movimentos antiglobalização

Eu acompanho o Fórum Mundial de Porto Alegre, mas acho que o caminho vai ser mais pedregoso do que pensava. Não é fácil ser combativo no plano político. O plano dos costumes e da cultura é mais fácil de ser ocupado, mas não tem condições de interferir rapidamente e de forma incisiva no mundo político. Essa resistência efetiva e difusa é preciosa, importantíssima, mas não traz com ela como fazer para obter os efeitos desejados. Eu não considero isso perda de tempo. Espero que seja fecunda, mas, ao mesmo tempo, como traduzir isso em ação política. Se você souber, eu quero a resposta.

Influências do marxismo

Eu vou enxergar o marxismo de uma forma que corresponda ao meu modo de ser marxista. Alguns dirão que não há nenhuma influência, outros, que há uma influência subterrânea do antigo marxismo. As duas respostas são insuficientes. Alguns marxistas acompanham o movimento, como Karel Kosik, que morreu recentemente, e é um pensador trágico, que teoriza sobre os impasses e as dramas da cultura mundial. Eu traduzi um ensaio dele, O Século de Grete Samsa. Foi um título infeliz, porque ninguém entendeu. Ela é a irmã de Gregor Samsa, de A metamorfose, e o oposto da Antígona, de Sófocles, que faz uma opção ética. Grete faz uma opção amoral. Ela quer casar e não reconhece Gregor na barata, ele é morto e jogado no lixo. Kosik desenvolve essa idéia de que está havendo um agravamento de coisas que começaram no século 19, pioraram no século 20 e entraram no 21 numa situação de exasperação. É o problema da alienação, da criação desvirtuada, que a globalização agrava e expande. É uma crítica de alguém que tem uma contribuição a dar, alguém que força um diálogo.

Debord e sabotagem cultural

Não me sinto em condição de avaliar Guy Debord. Ele propõe questões interessantes, o espetáculo como linguagem da mercadoria e a mercadoria como verdade do espetáculo. Mas eu acho que é preciso criar condições para diálogos mais sólidos, mais bem fundamentados. É importante que as diferentes correntes possam se apresentar de forma bem fundamentada. O uso que se faz dessas teorias eu acho um pouco problemático. Certas propostas, para usar a linguagem marxistas, são confusionistas – não confusas -, geram confusão. E, politicamente, é preciso haver clareza sobre com quem eu conto. O movimento de 1968 tinha uma amplitude e eu conteúdo políticos mais densos. Concordo com a avaliação de Marcuse, que foi a expressão lúcida de um conjunto de possibilidades que se manifestaram em 68. Acho que as diferenças entre os dois momentos são mais importantes do que qualquer tentativa de aproximá-los.

McDonald’s E G8

Brigar contra os símbolos pode ter um papel importante, dependendo de as massas estarem ou não mobilizadas. Quando isso acontece, confere um conteúdo diferente à ação. Se forem pequenos núcleos, isso não tem um significado tão forte, tão poderoso. Quando as massas destroem um símbolo, esse símbolo significa algo que deve ser enfrentado.

Resistência x Revolução

A resistência foi introduzida para cobrir o espaço deixado pela queda do conceito de revolução. Mas a revolução, por natureza, é surpreendente. É possível que você veja um processo revolucionário que venha mudar o mundo, porque o mundo precisa de mudança. Acho que eu não verei, mas talvez você veja. Agora, quando você não tem a possibilidade de propor um caminho, você resiste. A revolução é sempre mais ativa. Resistir é uma forma de ação hoje.

Modelo teórico e Internet

Não sei se é possível cobrar dos contemporâneos que eles mostrem quanto estão contribuindo com teorias que avançam, com algo que se possa vislumbrar. Só é possível comentar baseado no que se vê, e isso, hoje, é desanimador. Não vejo nenhuma teoria surgindo por si mesma que mostre um caminho para a situação atual. A gente tem um material riquíssimo produzido na Internet, mas não se pode excluir a possibilidade – desagradável – de que não há garantias de nada. A Internet não tem conteúdo político significativo. Não se pode ser contra nem ingenuamente favorável. O ponto de partida é enxergar as contradições e ver para onde essas contradições se movem, para poder interferir. A Internet trouxe mudanças significativas, mas também riscos enormes. Mas esse não é meu quintal, não é meu jardim.

Indústria cultural

A expansão da produção e da circulação de mercadorias culturais não é para todos. Nasceu em função dos interesses poderosos de forças superiores, não para as necessidades de uma maioria. Isso se agravou muito. Eu sou um admirador da cultura norte-americana. Mas não se trata mais do jazz, hoje é a música de entretenimento que se transforma, que é dada como universal. Outras matrizes culturais, também de entretenimento, não têm chance de concorrer com a norte-americana. O cinema também é monopólio dos Estados Unidos. Podem falar que o cinema argentino está numa fase muito boa, mas as condições para o cinema argentino concorrer com o norte-americano não existem. Os americanos asseguraram as condições do mercado. Do ponto de vista do sistema globalizado, há apenas mecanismos e sistemas favoráveis ao grande lucro. O interesse não é corromper um artista, qualquer artista. É conseguir o lucro. Todas as artes são uma forma de resistência, por natureza, a arte é a criação de produtos não imediatamente assimiláveis pelo mercado.

Patricia de Cia
jornalista, tradutora e mestranda em Literatura Italiana pela Universidade de São Paulo – USP

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