Fluxo de luz e sombra: ‘Os anos’, de Annie Ernaux
A escritora e professora francesa Annie Ernaux, autora de 'Os anos', lançado pela Três Estrelas (Foto: Reprodução)
Nós, eles e ela. São esses os pronomes que regem Os anos, a premiada incursão de Annie Ernaux no universo autobiográfico. Ao desfazer-se do eu habitual, a escritora logrou uma façanha: não apenas fugir do lugar-comum das memórias e autoficções centradas na experiência individual, subjetiva, mas também criar um híbrido de autobiografia com timbre coletivo, em que, sem falar diretamente de si, dá conta das lembranças mais íntimas, ao mesmo tempo que faz desfilarem os acontecimentos mais importantes das décadas que a narrativa cobre.
A impressão, quando lemos Os anos, é de estarmos viajando de trem e vermos, pela janela, o mundo passar não apenas no espaço, mas também no tempo. A viagem começa em uma velha estação no interior da França, onde nasceu a autora, em 1940, e avança em direção a Paris e à modernidade, até por volta de 2006. A maria-fumaça vai transformando-se no decorrer da narrativa – ao final, estamos suspensos no movimento ultraveloz e suave de um trem-bala, com a percepção meio borrada, indistinta, acumulando informações no presente infinito do universo digital. É uma viagem sem solavancos, com muitos momentos em que a luz se torna mais ou menos penetrante – o equivalente aos insights da autora, que surgem por trás das ramagens dos fatos.
Acompanhamos jantares em família, quando Ernaux é pequena, em que as conversas giram em torno da grande guerra, da vergonha de Vichy, de Auschwitz, de bravura, fome e ruína. Vem o rádio, o conflito na Argélia, os livros existencialistas e as canções de Gréco e Br
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