Oficina literária – Óculos de Drummond

Oficina literária – Óculos de Drummond

Furtaram os óculos de Drummond. Sim, os óculos da estátua do poeta, situada no calçadão da velha Copacabana. O corpo e a cabeça permanecem lá, altivos, imponentes como o homem que, a despeito de franzino, era um gigante. A mídia já se encarregou de rotular a atitude como resultado do vandalismo de um grupo de homens. O que teria acontecido?

Quatro rapazes passaram pelo calçadão após uma lauta rodada de chope, numa dessas noites quentes. Todos, sem exceção, no mesmo momento, foram tragados pelo olhar sereno do poeta. Ficaram inertes, petrificados como a estátua. Moviam apenas os músculos laríngeos para possibilitar que engolissem em seco.

Precisavam refletir sobre o que acontecera desde que, ainda moços, abandonaram as Minas Gerais e foram para o Rio. Pensaram naquela geração que, após tanta inovação, ainda queria continuar com aqueles projetos lá na capital. Lembraram-se da juventude, tempos da Folha de Minas, d’O Diário e de outros jornais. Pensaram na época em que sonhavam ser grandes escritores, usar a literatura como arma de combate.

Recordaram-se de Getúlio e Capanema, da Biblioteca Nacional e do Instituto Nacional do Livro. Lembraram-se de todo o projeto de construção nacional em voga naquele período. Quase todos foram tragados por ele!

Cada qual olhou para os outros. Ainda estavam inertes: pensaram, pensaram, pensaram. Em uníssono resolveram surrupiar os óculos do poeta. Ele não se incomodaria, por certo. Ao menos uma vez queriam ver o mundo pelas lentes daquele que foi o líder de sua geração. Eram as lentes de um outro moço que também fora para o Rio em busca de sonhos.

E, depois, o que fariam com o objeto furtado? Uma noite com cada um. Revezariam, oras! O Rio, agora, parecia diferente. Os tempos eram outros.

Lamentavelmente, a mídia jamais noticiará quem foram os quatro vândalos a subtrair os óculos do poeta: Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino, Fernando Sabino e Otto Lara Resende. Os quatro mineiros ainda regozijam-se à farta! Passam pelo calçadão, olham para Carlos e asseveram que não conseguem mais viver sem aquelas lentes.

Roberto Barbato Jr., doutor em ciências sociais pela Unicamp, é autor de Missionários de uma utopia nacional-popular: os intelectuais e o departamento de Cultura de São Paulo (Annablume, 2004) e Direito informal e criminalidade: os códigos do cárcere e do tráfico (Millennium, 2006).

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