Oficina Literária – Como ganhar uma eleição

Oficina Literária – Como ganhar uma eleição

I                                                    

 Emanoel Florentino Izidório da Cruz, mais conhecido na cidade como Mané Tinhoso. Viveu até a década de 70 metido na política da cidade de Seregipe. Foi prefeito três vezes e vereador outras tantas. O apelido “Tinhoso” veio dos partidários que admiravam sua teimosia e vontade de vencer. De fato nunca perdeu uma eleição. Matreiro e experiente, era daqueles que trabalhavam muito bem o assistencialismo aos pobres. Admirador de Getúlio Vargas tinha um quadro do grande líder em seu escritório. Na mesma sala onde ficava a biblioteca, cheia de livros que ele nunca leu. Mané Tinhoso era um sujeito que dava grande importância à sua própria aparência, e não só fisicamente. É claro que ele trajava-se bem, mas sentia que isso não era suficiente. Os livros na biblioteca impressionavam as pessoas que porventura entravam no escritório. Davam-no por intelectual, mesmo que não fosse. O único livro que eventualmente ele lia era o dicionário. Para aprender palavras difíceis e impressionar os pobres matutos da pequena Seregipe. Não subestimem Mané, a história abaixo narrada mostrará o quanto este homem dominava a arte da estratégia.

No final dos anos 50 em uma eleição municipal a situação de Mané não era muito boa. Seus adversários tinham achado um candidato que poderia derrotá-lo, um tal de Zé Fagundes. Inexperiente na política, um novato, mas amigo de muita gente. As críticas a Mané vinham dirigidas a quem o apoiava: o prefeito Ramiro, sucessor dele na Prefeitura. Mané tentava seu segundo mandato, mas a administração de Ramiro havia sido um fracasso. A insatisfação popular com o prefeito era um entrave à campanha do Tinhoso.

Mané tentava de tudo: dizia que seu governo seria diferente, que iria consertar os erros do colega, usava até discurso de bom cristão pedindo aos eleitores que seguissem o exemplo de Jesus e perdoassem Ramiro. Nada adiantava, então ele lembrou-se da coragem de Getúlio Vargas em 1954.

Não, ele não se suicidou. Mané entrou no escritório. Abriu a janela e tirou da gaveta a arma. Tirou o chapéu da cabeça e meteu-lhe um tiro. A esposa assustada entrou apressadamente no escritório e o flagrou ainda com a arma na mão e o chapéu no chão com o furo da bala. Ele colou o dedo nos lábios pedindo silêncio.

II

 A notícia do atentado sofrido por Mané Tinhoso correu a cidade rapidamente. Uma multidão aglomerou-se na casa do candidato, a maioria preocupada com o estado de saúde dele. Dizia a todos que estava bem e que a fé em Nossa Senhora o havia salvado. Mulheres choravam e homens faziam discursos. Eleitores fiéis a Mané e eleitores de Zé Fagundes, estes já dispostos a mudar o voto, revezavam-se nas visitas. A senhora Clara, esposa dele, olhava tudo, atônita. “Não é que havia funcionado mesmo”, pensou consigo.

Três suspeitos foram presos. Mané apressou-se em livrá-los e deu um retrato falado do suposto atirador. Disse que viu o sujeito e que ele não era da cidade, provavelmente um forasteiro.

A casa de Zé Fagundes foi apedrejada, assim como a de vários de seus assessores. Mané, em comício na principal praça da cidade, disse ao povo que não queria ódio e conclamou a que seus seguidores não agredissem mais os adversários.

O Tinhoso ganhou a eleição com folga. A partir daí não perderia nenhuma e Zé Fagundes desistiu definitivamente da política. Só alguns anos após sua morte é que a senhora Clara contou a verdade a seus netos. A estátua de Mané continua no centro da cidade e seu nome ainda é considerado sinônimo de honradez e retidão de caráter.

Aristóteles Lima Santana é professor e mora em Paulo Afonso (BA)

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