A aranha não precisa de olhos
Wellcome Collection
sua pele é o tato das tantas pernas
escorregando de pequenas brusquezas
o subir das minhas paredes
te olho e você para
mas não sabemos
o que vem em seguida
e por que saberíamos
se são oito as patas dos nossos destinos
e de fio e sede de subir se faz a artimanha
da dona aranha subindo minhas paredes
no intercalar das vossas ausências e presenças
algo gostoso algo bonito algo
às vezes não sei se chego até amanhã
no fim desse ano espesso
pouco escorregadio
e longo de eras
estamos sentados esperando a bomba atômica
sinto o presente e cada um de seus espinhos
não coça, arde
como a víbora planteada sobre toda forma
a verdade é uma força
em cada plano resta ao menos uma
você percebe que vive entre paredes?
e só por isso para viver tudo
haveríamos de ser todos vesgos
bicéfalos
pernetas
você me dá um tapa às escuras
eu escuto e abro a porta
meu corpo morno suplica
um rio quente que me leve
uma estaca no meio das pedras
que me pare
um fluir que não me atravesse
eu trocaria meu coração por um pão
eu sinto o cheiro da autonecrose
o sol me disse que ainda vem amanhã
que me beije a pele, suave
e dona aranha subindo essas paredes
Ravel Machado, 31 anos, é uma pessoa transmasculina não binária, editora e tradutora na editora independente (elle/elu) transedições y traduções.
A Oficina Literária é uma seção dedicada exclusivamente à publicação de textos literários inéditos, poéticos ou em prosa. Os originais, com no máximo 3.000 caracteres com espaços, devem ser enviados para ofici
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