Ocupar como conceito político

Ocupar como conceito político

Foto Tânia Rego | Agência Brasil

Aos estudantes secundaristas que no Brasil atual,
despertam o que há de mais
transformador em todos nós

por Marcia Tiburi

Ocupar é o conceito político mais importante do momento. Sobretudo porque, sendo um conceito, não é um conceito puramente teórico, é altamente prático. Não faz apenas pensar, não apenas leva a agir, mas é a própria ação, é mais ainda, o acontecimento político transformador. Não serve, portanto, apenas como descritor de uma situação, mas é um conceito prático de poder. Em termos mais radicais, da potência implícita no simples fato de ocupar um lugar no espaço.

Ocupar é poder. Poder é ocupar.

O direito político fundamental é o direito de ser, direito que se adquire ao nascer. Esse direito se concretiza no direito de estar em abstrato, de estar no mundo como um corpo. Esse direito se liga ao direito de estar presente em lugares, em espaços. Direito que, por sua vez, se liga ao direito de transitar, de ir e vir, para estar aqui ou ali.

O direito político fundamental que está em jogo se coloca para todos nós como direito de aparecer. Ora aparecemos para um outro, que também aparece para nós, constituindo o âmbito do comparecer. Esse comparecer que é o aparecer diante do outro constitui o espaço público, aquele espaço onde as relações se expressam como políticas. Não há política sem esse lugar de presença em que os indivíduos se tornam cidadãos – ou seja, portadores de uma condição política – porque diante dos outros, ocupam um campo de visão, um lugar de fala e audição, um espaço físico em que afetos e sensibilidades entram em jogos políticos transformadores.

O espaço físico é administrado, controlado, manipulado, transformado em mercadoria. O modo como as cidades se configuram em relação a nossos corpos explicam isso: inacessibilidade para pessoas com necessidades corporais, invisibilização de pessoas por condições estéticas, separação de classes, seletividade de moradias, especulação imobiliária.

O direito de aparecer em sua forma de presença na ordem política – a ordem pública, o estar diante dos outros como cidadão – foi transformado em mercadoria pelo capitalismo. Aquilo que chamamos de “Sociedade do Espetáculo” é o efeito de um aparecer despolitizado por ter sido transformado em mercadoria. O modo mais seguro de destruir a política é transformando-a em mercadoria. A ascensão da publicidade evidencia a perda do sentido político do aparecer transformado em aparecer publicitário. A publicidade é um chute na política que a destitui como cenário onde podemos aparecer como corpos, com os corpos que somos. A importância da representação política é evidente, mas é ainda maior a importância da aparição de cada um na ordem da política.

Essa aparição se dá por meio do corpo que se faz político pela presença no espaço e diante do outro. “Ocupar” é isso. No contexto da manipulação do aparecer político, em que espaços são controlados, “ocupar” é um ato revolucionário.

Há vários modos de “ocupar”. O que o governo golpista faz nesse momento é ocupar. A maneira golpista de ocupar se opõe à maneira revolucionária. A ocupação golpista tem algo de invasão, de colonização. A ocupação revolucionária se faz com corpos em estado de alegria política e tem como forma a descolonização e a desobediência.

Ocupar é estar presente e saber que toda presença é política e altamente transformadora de cada singularidade, de cada alteridade em cena.

Ocupar é, portanto, o caminho. Ocupar espaços analógicos e virtuais. Ocupar o MINC, ocupar o SUS. Ocupar o congresso, ocupar o palácio do planalto. Ocupar as ruas. Ocupar o STF. Ocupar as redes de televisão e as empresas jornalísticas. Ocupar as casas e as terras que não cumprem com sua função social. Ocupar o poder para transformá-lo em algo capaz de melhorar a vida de todas as pessoas que sofrem.

A partir daí a política será completamente outra.

Obrigada aos estudantes, às feministas, aos artistas, aos trabalhadores, aos movimentos sociais que estão ensinando isso a muita gente.

Deixe o seu comentário

Novembro

Artigos Relacionados

TV Cult