O sumiço da vulva

O sumiço da vulva
"O Ipupiara" (1565), de Mattheo Francken
  Fiquei em dúvida se seria melhor chamar este relato de “O sumiço da Gata”, afinal, trata-se disso também. No fim da história, o desaparecimento da minha colega se deu por inteiro e para sempre. Mas há vantagens em compreender que se tratava, literalmente, de eliminar o todo pela parte. Quando não sabem o que fazer, jogam fora a tina sagrada, a água, os corpos, o banho. No resto do tempo, fazem o que sabem, como aprendi numa HQ de Liv Strömquist, a respeito do sr. Kellogg’s: nas horas vagas da produção de cereais, machos inventam ácidos para queimar o clitóris das minas. Algo assim. Não, exatamente assim. Sumiram com a Gata porque tinha uma vulva, ou porque sabiam ter uma, diferentemente das outras de seu grupo, e isso criou um tal rebuliço que a alguém poderia ocorrer a ideia de que algo como uma faísca pudesse se espalhar por aí. Sou uma b(ô)ta, não uma gata. Mas sou também uma fêmea (embora no meu caso não tenham deixado nem mesmo a marca do acento distintivo para não ser confundida com um calçado), então às vezes me permito entrar de sola nos assuntos. O editor da revista me pediu um lance mais pessoal para uma edição especial sobre “literatura e bichos”, que envolvesse a minha espécie (agora que se cansaram do mundo criado à imagem e semelhança deles). Deu a seguinte deixa para uma narrativa, emprestada a um outro humano do sexo masculino: “Em tempos remotos, consagrava-se o delfim à deusa Afrodite porque os movimentos do animal, muito parecidos com os de um navio que ao impulso das ondas se eleva e desce, têm

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