O país agoniza e morre, de fome, tiro ou gás, sob a bota de Bolsonaro

O país agoniza e morre, de fome, tiro ou gás, sob a bota de Bolsonaro

 

 

O país agoniza e morre sob o governo Bolsonaro. E de acordo com os eventos que nos chocaram esta semana, trata-se tão somente de escolher um método para morrer: se de miséria ou fome, se asfixiado em câmara de gás ou se por tiros de fuzis da polícia em mais uma chacina.

 

Estudo divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) esta semana dá conta de que o Brasil vive uma crise de fome sem precedentes, como se já não bastassem as crises política, moral e econômica que assolam o país. Não é apenas uma questão de crescimento econômico, desemprego e inflação, é algo mais grave e muito mais urgente: a população brasileira não está mais conseguindo comer. 19 milhões de brasileiros estão em estado de insegurança alimentar grave, isto é, 9% da população literalmente estão vivendo em constante fome. 43 milhões não têm alimentos suficientes em casa, quer dizer, 20% da população alimenta-se precariamente. No total, 36% dos brasileiros correm constante risco de passar fome. São 77 milhões de possas que não sabem se, quando e por quanto tempo conseguirão uma refeição. É um recorde. A fome subiu 6 pontos percentuais apenas em um ano.

 

E 77 milhões é muita gente. É mais, por exemplo, que toda a população somada da Argentina, do Chile, do Uruguai e do Paraguai. É mais que a inteira população de países como França, Espanha, Reino Unido ou Itália.

 

O Brasil virou uma chaga no mundo, um laboratório de produção de miséria e fome, ao mesmo tempo em que chegamos ao 2º lugar como principal exportador mundial de alimentos. Produzimos famintos e alimentos ao mesmo tempo e numa quantidade sem precedentes.

 

No início da semana, uma incursão policial em uma das favelas do Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, terminou com mais de 20 mortos nas ruas da Vila Cruzeiro. Todos abatidos por policiais da PM e da Polícia Rodoviária Federal. O presidente da República, silente sobre os mortos de fome, parabenizou os “guerreiros do BOPE e da Polícia Militar do Rio”, por terem, segundo ele, “neutralizado” ao menos “20 marginais ligados ao narcotráfico”.

 

Do ponto de vista da letalidade, a ação ficou apenas atrás da que ocorreu em maio do ano passado, no Jacarezinho, em que morreram 28 pessoas.

 

Sim, a criminalidade aumentou no turno de guarda do sujeito que se elegeu tendo como uma das suas principais promessas de campanha resolver o problema da violência urbana que apavora os brasileiros. Pobreza, desemprego, falta de assistência social e ausência do Estado produzem ainda mais crimes, como se sabe, mas a única linguagem que Bolsonaro entende é que “a polícia deve matar os vagabundos”. Como se fossemos crianças brincando de polícia e bandido e como se houvesse a possibilidade, com essa regra apenas, de sustentar alguma política pública efetiva e inteligente.

 

Bolsonaros e os bolsonaristas continuam, regressivamente, brincando de polícia e bandido, com esperança, quem sabe, de matar todos os bandidos a tiros até o fim do seu governo, pois esse é o único plano que tem para entregar a promessa de campanha de acabar com o crime nesse país.

 

Diferentemente das brincadeiras infantis, os bandidos não vêm marcados e combinados. A decisão bolsonarista sobre quem é vagabundo e quem não é dada a posteriori quando o tiroteio começa: se morre, é marginal; se a bala da polícia alcança, é vagabundo; se sangra no meio da rua com tiros à queima-roupa, é meliante. A polícia não mata porque é bandido (como saber?), é bandido porque a polícia mata. Simples assim.

 

Dois dias depois da chacina do Rio, a Polícia Rodoviária Federal abordou um motociclista com transtornos mentais no município de Umbaúba, em Sergipe. Apesar de todas as tentativas de explicação de um sobrinho do abordado, presente na ação, sobre a sua condição clínica, o rapaz foi insultado, imobilizado, e por fim colocado no porta malas de uma viatura onde também foi colocado um artefato para exalar gás.

 

Genivaldo, era o nome dele, morreu por asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda, ali, à vista de todos, no acostamento da BR 101, em uma viatura transformada em uma câmara de gás de um Auschwitz ou Treblinka ambulantes e improvisados pela Polícia Rodoviária Federal. Não foi uma abordagem noturna numa rua secundária, longe do olhar dos populares, protegido das câmaras de celulares. Não. Foi um crime de poder, exibicionista, em público, à luz do dia, de quem se sabia observado e filmado, mas tinha certeza da impunidade.

 

É a quintessência da sociedade bolsonariana. Genivaldos de um lado, Himmler e Heydrich, fardados, de outro, uma câmara de gás, e mais um morto para ser exibido pelos “guerreiros da polícia”, para o sossego e gozo da pátria bolsonarista.

 

A morte virou uma banalidade num governo que viu e deixou morrer, por ação e omissão, 666 mil pessoas, de Covid, como se nada fosse. A Covid pode ter arrefecido, mas a morte, por asfixia, bala ou fome, continua empossada neste país.

 

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Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP). Twitter: @willgomes


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