O New Deal de Barack Obama para a cultura
Apesar da crise financeira, os EUA preparam uma verdadeira revolução nas artes
Norman Lebrecht
Cinco dias antes de Barack Obama prestar o juramento de posse, líderes de várias organizações artísticas foram chamados a Washington para uma reunião no gabinete de transição. O grupo era composto por mais ou menos 20 pessoas, todas representantes de instituições relevantes, como a Dance America, a associação das orquestras sinfônicas e a associação nacional de museus. Eram burocratas engravatados, não muito conhecidos além das paredes de seus escritórios, o que talvez explique por que o encontro recebeu pouca atenção da mídia.
Antigamente, quando os presidentes queriam simular algum interesse pelas artes, procuravam participar de eventos grandiosos ao lado das estrelas de Nashville e Hollywood: uma estratégia clássica para alavancar índices de aprovação. No entanto, Barack Obama não precisa dessas estratégias. Com aprovação de 80% e milhões de pessoas festejando sua posse, Obama é até agora a maior celebridade da Terra, o suprassumo do cool.
Ao contrário de Tony Blair em seus dias de Cool Britannia, ou de Bill Clinton tocando sax com a banda de Bruce Springsteen, ou mesmo Jimmy Carter tentando divertir um John Lennon vestido de smoking, Barack Hussein Obama não necessita do apoio de nenhum artista pop para definir seu estilo. Ele tem mais história do que a indústria fonográfica e cinematográfica juntas, tem mais destreza nas pistas de dança do que a maioria das estrelas de televisão. Obama poderia facilmente construir um castelo de Camelot sozinho.
Todavia, ao criar um grupo específico para as artes e para a cultura, algo que nenhum presidente eleito havia feito antes, o 44º presidente traduzia em ato sua convicção de considerar as artes um tema central de seu governo. Convicção sólida o bastante para conversar diretamente com as abelhas operárias, em vez das rainhas glamourosas. Obama deixou claro que deseja alterar a maneira pela qual os EUA se relacionam com suas representações culturais.
Os ventos da mudança chegam rápido desde sua vitória. Em um programa de rádio de Nova York, o produtor musical Quincy Jones anunciou que “conversou com o presidente Obama sobre a criação de uma Secretaria da Cultura”. Jones, 77 anos, aliado de Martin Luther King e fundador do Institute for Black American Music, promoveu um abaixo-assinado na internet para apoiar a criação de uma pasta governamental para as artes. Aproximadamente 200 mil pessoas já assinaram.
Durante a campanha, Quincy Jones insistiu que a música e as artes deveriam retornar ao currículo das escolas públicas. A ideia entrou no programa de governo de Obama e está sendo implantada em escolas localizadas em áreas com população de menor renda.
Reestruturação
Em Washington, Michael Kaiser, presidente do Kennedy Center for the Performing Arts (maior complexo artístico norte-americano), publicou um artigo em que pede ao novo governo um pacote emergencial para salvar companhias artísticas, como a Opera de Los Angeles e o Museu de Arte Contemporânea da mesma cidade, que estão muito próximos de fecharem suas portas.
Pouco tempo depois da publicação do artigo, a Sacramento Ballet, a Orlando Ópera e meia dúzia de museus também passaram a enfrentar problemas financeiros sérios. Mesmo o imponente Metropolitan Opera de Nova York chegou a eliminar duas produções de sua programação e agora planeja reduzir todos os salários em 10%. As artes nos Estados Unidos também foram afetadas pela crise que derrubou as grandes corporações e os fundos de investimento, responsáveis por boa parte das doações ao Metropolitan (mais ou menos um terço do seu orçamento de US$ 300 milhões). Kaiser, que tirou o Convent Garden da insolvência dez anos atrás, acredita que agora é necessária uma intervenção maior do Estado.
“Não estou falando de subsídios governamentais para as artes, como acontece na Inglaterra”, ele me disse. “Não vamos bater na porta do governo para pedir esmolas.
Não somos a General Motors. Vamos apenas estabelecer um novo diálogo com o governo, já que o presidente Obama manifestou seu desejo de reestruturar a relação entre o governo e as artes.”
Alguns acreditam que a reestruturação já começou. No material da campanha de Obama, por exemplo, lembrava-se o fato de que Louis Armstrong e Dizzy Gillespsie costumavam viajar o mundo como embaixadores culturais dos EUA durante a Guerra Fria. “Os artistas podem ser mobilizados novamente para nos ajudar a ganhar a guerra de ideias contra o extremismo islâmico”, estampava um dos folhetos da campanha. Para Obama, as artes devem desempenhar um papel fundamental no processo de mudança da imagem externa dos EUA.
Folha de pagamento
Embora tivessem tocado em playback, quatro músicos eruditos protagonizaram alguns dos minutos da cerimônia de posse, o que sugere que o novo presidente tem mais do que rock, jazz e rap em seu iPod. Anthony McGill, 29, é um dos clássicos exemplos de superação por meio da arte – filho de um bombeiro, passou por várias escolas de Chicago até conquistar o posto de primeiro clarinete na orquestra do Metropolitan. Seu irmão, Demarre, é o primeiro flautista da orquestra de San Diego. Homens como os McGills são as músicas que envolvem a mensagem de esperança de Obama. Nenhuma administração desde a de John Kennedy demonstrou tanto apreço pela cultura, e nenhuma desde a de Roosevelt compreendeu o potencial redentor das artes diante de uma crise econômica. Franklin Delano Roosevelt, durante seu discurso inaugural de 1933, declarou que “a felicidade não reside na acumulação de dinheiro; reside na alegria de uma conquista, na emoção de um esforço artístico”. Convencido de que a criatividade artística poderia livrar a América da depressão, Roosevelt investiu milhões de dólares do New Deal nas artes.
No primeiro ano de seu governo, financiou indiretamente 6.800 telas, 6.500 esculturas e 400 instalações.
O programa não durou muito tempo, mas teve ímpeto o bastante para transformar a Nova York pós-1945 em uma capital mundial de arte moderna. Projetos paralelos em música, teatro, dança e fotografia também foram beneficiados. Cerca de 16 mil músicos chegaram a ser contratados pelo governo para tocar em bandas e ensinar música a crianças menos favorecidas. Havia 6.686 escritores na folha de pagamento do governo, além de 12.700 trabalhando em teatros.
É pouco provável que o presidente Obama adotará medidas tão radicais, mas seu discurso lembra em vários momentos o New Deal, e suas propostas iniciais indicam que a cultura será uma das prioridades em seu pacote de recuperação econômica. Recentemente, anunciou o novo diretor do Fundo Nacional para as Artes, programa para o qual são destinados US$ 145 milhões em investimentos, e declarou um aumento da contribuição federal.
Apesar da crise, o governo dos EUA projeta maior investimento na cultura. A relação entre artes e governo está, de fato, prestes a passar pela maior redefinição em sete décadas. Os EUA estão iniciando uma verdadeira revolução cultural.