“O itinerário do curativo”, de Nicolas Behr, e outros lançamentos
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Quem busca uma cura faz qual caminho? E se a ferida não for aparente? Um livro de poemas trata o quê? Quer dizer, importa se são ou não poemas? Aliás, o que é curar?
Em seu novo livro – O itinerário do curativo (editora Reformatório, 2022) –, Nicolas Behr entende que é inútil querer eliminar a agonia, o choro, a melancolia, a ansiedade, a morte. O poeta propõe cuidar da obsessão, da paranoia, dos fantasmas, da ausência do pai, usando a palavra, dialogando com certa técnica psicanalítica para, talvez, diminuir a dor: “pai, tua morte/ nos fez bem”, ou
enquanto
não perdoar o seu pai
e não se perdoar
você não vai ter paze quem disse que quero paz?
Se a palavra aqui obterá o estatuto de poema, por vezes, pouco interessa. O livro também são questionamentos do que se pode considerar poético: “nem toda tentativa/ é poema”. Mas um traço fundamental da escrita de Nicolas é a provocação ambivalente. Numa espécie de livre associação textual, vai acrescentando contrários ao que já disse: “como é possível viver/ sem escrever poemas?”, “o que faz o corpo/ desejar tanto?”, “viver deveria bastar”, “é a neurose/ procurando um sentido”.
Provavelmente este trabalho se diferencie dos demais por chafurdar em várias formas de elaboração psíquica. Contudo, suas publicações indicam ser um conjunto, conversam entre si. É evidente sua ligação mesmo com o primeiro livrinho do autor, Iogurte com farinha. Após alertar na capa “leia antes que azede”, aquele escrito mimeografado em 1977 trazia uma abertura que bem poderia estar n’O itinerário do curativo:
Tudo está bastante confuso, fragmentado; mas assim têm sido os dias que vivemos…
Com quase meio século de poesia, Nicolas permanece fazendo do humor seu método de assimilação da cultura, meio de encontro com as pessoas e recriação da linguagem:
o pai mais doce
do mundovivíamos como formigas
ao seu redor,
tirando pedaços.
Até ao tratar da morte, o autor ironiza: “os tais seres de luz estarão/ me esperando?”, “e se eu chegar lá ao meio-dia/ e não conseguir vê-los?”.
Quando Manoel de Barros lançou seu penúltimo livro, Escritos em verbal de ave, usou como epígrafe um poema de Behr: “A infância/ É a camada/ Fértil da vida”. Agora, neste Itinerário, há o texto “Visita ao túmulo de Manoel de Barros”, mostrando que a conversa entre eles continua “ao nível das formigas, caramujos, lagartixas”.
Foi durante a adolescência que li, pela primeira vez, um poema de Nicolas Behr. Estava no calendário colado à parede da cozinha da minha tia-avó. Mexeu comigo. Imagino quanta gente já foi (e é) mobilizada por seu trabalho. E mesmo num livro dolorido como este, transformando conflitos internos pela poesia, sua palavra teima em nos alimentar com a boa disposição do espírito.
Thiago E nasceu em Teresina, Piauí. Poeta e músico, publicou Os gatos quando os dias passam (7Letras). Em parceria com Cid Campos, lançou o single Povo país caos. Integrou a banda Validuaté, com a qual gravou, entre outros discos, o álbum Alegria girar.
por Redação
Em seu terceiro livro, o jornalista e escritor baiano Felipe Ferreira tensiona a história familiar de Alice, a protagonista que está dividida entre a cultura brasileira e a portuguesa, para abordar temas fundamentais ao debate contemporâneo no país, como pertencimento, identidade, maternidade, feminismo e o processo de colonização e independência do Brasil. Como esclarece o próprio autor na nota inicial da obra, “minha Alice é uma tela-viva do que aprendo, do que me inquieta e de um imaginário borrado pela consciência do que me precede e me constitui”, em uma amálgama de referências que perpassam escritoras como Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro.
A jovem Luana é convidada pelo amigo André para passar as férias de verão no sítio de seu avô, um argentino que mora no Brasil. Em meio às aventuras em contato com a natureza, os amigos descobrem um caderno antigo na casa, que seu avô escrevera durante as ditaduras na Argentina e no Brasil. Tal é o enredo sobre o qual os cientistas políticos Débora Thomé e Lucio Rennó escrevem um pequeno dicionário para explicar, aos jovens e às crianças, dez conceitos fundamentais de política, economia e sobre o funcionamento das instituições públicas. Os verbetes fazem parte, na história, do caderno do avô, misturando passagens explicativas com as narrativas dos dois amigos. De forma simples e direta, alguns dos conceitos explicados são: democracia, ditadura, congresso, partidos, eleições e desigualdade.
Entre o mito e a história, o autor traça uma biografia do líder indígena Arariboia, entretecida entre as diversas lacunas biográficas pela farta pesquisa histórica e documental de Rafael Freitas da Silva. Considerado uma das principais lideranças indígenas do século 16, chefe dos temiminós, que ocupavam a baía de Guanabara e posteriormente o Espírito Santo, Arariboia foi uma figura controversa. Na disputa territorial entre portugueses e franceses, o líder indígena apoiou os portugueses, foi catequizado, batizado com um nome cristão e acumulou poder e terras pelo apoio a Portugal. À visão de que Arariboia foi uma marionete, que se rendeu aos desejos do colonizador, o autor da presente biografia sobrepõe um perfil mais lúcido e esclarecedor, trazendo as diferentes facetas de um herói que, se ganhou poder ao colaborar com o colonizador, utilizou-se dele para também evitar o extermínio e a escravidão de outros povos indígenas.