Privado: O DSM e a crise da psiquiatria
Mário Eduardo Costa Pereira
“Transtorno de pânico”, “déficit de atenção”, “transtorno bipolar”, “TOC”, “transtorno de estresse pós-traumático”, “espectro autista”: parece estranho que termos como esses, de conotação profundamente técnica, façam parte de maneira tão intensa do vocabulário de nossa língua cotidiana. Contudo, somos obrigados a constatar que, cada vez mais, é fundamentalmente através da linguagem especializada da psiquiatria que não apenas nomeamos nossos padecimentos emocionais, mas, sobretudo, os concebemos. Decididamente, não entramos mais “na fossa”, não atravessamos “crises existenciais”, nem sofremos subjetivamente “da opressão ideológica capitalista”. Cada vez mais, nossas vivências psíquicas, das mais banais às mais turbulentas, portam espontaneamente as marcas do discurso médico-psiquiátrico, independentemente da propriedade de seu uso técnico.
Mais do que isso: com frequência crescente, e em todas as camadas sociais, os próprios pacientes já chegam aos serviços médicos referindo-se a seus sofrimentos através do jargão técnico e, não raro, corretamente autodiagnosticados.
Uma das fontes principais dessa disseminação cultural dos significantes e categorias da nosografia psiquiátrica contemporânea é o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), da Associação Psiquiátrica Norte-Americana (APA). Dada a sua maciça influência, que ultrapassa amplamente as fronteiras de seu país de origem, atingindo de fato toda a psiquiatria mundial, esse manual recebeu
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