O conselheiro
Jaqueline Gutierres
“Você conhece alguma cultura, fora de Hollywood, com presença internacional efetiva atualmente?”, questiona Robert McKee. “Não há. Mas não queremos assistir apenas a filmes hollywoodianos dia após dia; eu adoraria ver, por exemplo, produções sul-americanas despontando e, de fato, competindo no mercado”. O professor de roteiro e escrita de argumento, que vem ao Brasil este mês, conversou com a CULT por telefone sobre o monopólio cultural de seu país no mundo, o conteúdo de seus seminários e o aumento da qualidade das séries de televisão em detrimento do cinema.
McKee, 70, é um dos mais conceituados profissionais da área,e presta consultoria a grandes nomes de Hollywood. Entre seus alunos estão ganhadores de Oscar, como os roteiristas Akiva Goldsman (Uma Mente Brilhante), Peter Jackson (O Senhor dos Anéis) e Paul Haggis (Crash e Menina de Ouro).
As aulas de McKee se dividem em dois seminários, “Story” (“História”), em que fala sobre a escrita criativa de roteiros, ministrado em São Paulo em 2010, e “Genre” (“Gênero”), em que analisa obras chave de quatro gêneros cinematográficos: thriller, comédia, love story e horror. Este último será realizado neste mês, também na capital paulista.
Você trabalhou com teatro. Quando e porque decidiu migrar para o cinema e a televisão?
Sim, foi quase outra vida (risos). Eu passei 15 anos no teatro. Mas lá pelos anos 1960, quando eu já vivia em Nova York, atuando e dirigindo peças, comecei a sentir que o teatro estava se tornando um museu, porque grande parte das peças que eu fazia era de montagens do passado.
Além disso, nessa época, o cinema era algo muito instigante, tudo era inovador e fantástico.
Você escreveu roteiros por um tempo e depois passou a se dedicar às aulas de escrita. Por que a mudança?
Foi um acidente, na verdade. Havia uma escola particular de cinema em Los Angeles, de onde me ligaram perguntando se eu poderia oferecer um workshop para escritores com duração de três horas em um sábado de manhã. Aceitei, pois achei que poderia ser um exercício divertido para mim e para os participantes, já que o escritor tem uma vida profissional muito solitária.
Acontece que essa escola era muito mal administrada e por isso saiu da área. Então, decidi continuar a fazer esse seminário aos sábados de manhã, coloquei um anúncio no Los Angeles Times e foi assim que comecei.
Você escreve roteiros atualmente?
Sim, continuo escrevendo e vendendo roteiros, mas é uma atividade frustrante por uma série de motivos, a maioria envolvendo dinheiro.
Além disso, quando comecei a ministrar aulas sobre a arte de escrever, encontrei um prazer muito maior do que o que eu tinha produzindo roteiros. Também vi que eu era muito melhor ensinando a escrever do que escrevendo. Por isso hoje me divirto dando minhas aulas e prestando consultoria aos escritores.
Seu seminário “Story” foi apresentado pela primeira vez há mais de 25 anos, Quais modificações você fez na estrutura e no conteúdo ao longo do tempo?
Os princípios subjacentes não mudam. Mas faço algumas alterações, como quando um filme bom é lançado e pode se tornar um exemplo relevante no curso, eu o adoto, e assim vou atualizando as aulas.
Fiz algumas outras mudanças porque com o tempo o seminário foi ficando cada vez maior. Ele costumava ter 24 horas, hoje tem 32, devido a esse aumento na duração, pude adicionar assuntos. Mas, mesmo com a ampliação, nem sempre o tempo é suficiente para dar conta de temas que são muito complexos.
Você ensina princípios que podem conduzir a boas histórias. No entanto, alguns bons filmes nem sempre se tornam sucessos entre o público. Você pode citar exemplos de filmes que achava que seriam sucessos e foram fracassos de bilheteria e de crítica? E o oposto, filmes ruins, mas bem conceituados?
Eu poderia, mas não quero fazer isso, para não constranger pessoas. É muito chato que haja muitos filmes bons que não rendam quase nada. E, em contrapartida, que haja produções ruins que ganhem muito dinheiro.
Por isso, o sucesso comercial nada tem a ver com qualidade. Criar algo realmente bom e bonito não é garantia de ser bem recebido comercialmente. Ao mesmo tempo, criar um filme com intenção totalmente comercial também não é garantia de que será bem aceito.
As características básicas de uma boa história mudam quando se muda o gênero do filme ou seriado?
Reduzir formas de arte a características básicas é impossível. É como perguntar quais os elementos principais da música ou da pintura. Não há como reduzir nenhuma forma de arte a um número de elementos principais; a arte é muito complexa para isso.
Você disse uma vez que as melhores histórias não estão mais nos cinemas, mas nas séries de televisão. Porque pensa isso?
Porque os bons escritores de Hollywood estão deixando o cinema e indo para a televisão. Por exemplo, um escritor maravilhoso, Alan Ball, do filmeAmerican Beauty (Beleza Americana), deixou o cinema e foi para a HBO, onde escreveu a fantástica série Six Feet Under (A Sete Palmos) e em seguida True Blood.
Isso é comum porque os filmes em Hollywood estão se tornando cada vez mais um espetáculo. Então, para quem quer escrever um drama ou uma comédia, é aceitável, mas para quem quer escrever uma história ousada, a televisão é um espaço maravilhoso. Seriados como Six Feet Under quebram tabus, falam sobre questões sexuais, lidam com problemas pessoais que o cinema nunca poderia abordar, porque pareceriam ofensivas. Há público de determinadas séries de TV que adoram ser ofendidos (risos).
Além disso, na televisão, os programas têm duração enorme. The Sopranos(Os Sopranos, de David Chase), por exemplo, soma oito temporadas, com mais ou menos 50 episódios em cada, o que resulta em centenas de episódios para abordar as diferentes dimensões da vida dos Sopranos. Isso, em um filme, seria feito em apenas duas horas; por isso digo que o cinema trabalha com formas muito curtas.
Enquanto os filmes podem ser muito conservadores, a televisão é muito radical no design das histórias. É possível misturar diferentes realidades, como em Lost (Jeffrey Lieber, Damon Lindelof e JJ Abrams) ou Twilight Zone (Além da Imaginação, de Rod Serling). Outro bom exemplo é Damages(Todd Kessler, Glenn Kessler e Daniel Zelman), em que fazem coisas fantásticas com o tempo, usando flash forms, flash sideways, flash backs. É realmente algo de vanguarda, há liberdade criativa, de escolha de assuntos, do modo de se contar a história. Além, é claro, do quesito dinheiro: os escritores ganham quatro vezes mais na televisão do que no cinema.
O que você conhece e o que acha da produção cinematográfica brasileira?
Eu sei que no passado o Brasil produzia filmes maravilhosos, como Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, Eduardo Coutinho e Leopoldo Serran) e Central do Brasil (João Emanuel Carneiro e Marcos Bernstein). Mas há mais ou menos cinco anos eu não acompanho a produção.
E no mundo, destacaria a produção de algum país hoje em dia?
Isso é algo difícil de fazer porque todos os países em algum momento produzem filmes maravilhosos. Por exemplo, os franceses lançam cinco ou seis ótimos filmes todos os anos. Os suíços já fizeram filmes comoLet the Right One In (Deixe ela Entrar, John Ajvide Lindgvist); os portugueses, Alice (Marco Martins); os alemães, The lives of others (A Vida dos Outros, Florian Henckel Von Donnersmarck). Há também os iranianos, coreanos, australianos, até mesmo os sul-africanos.
O problema é que, não sei bem o motivo. Talvez falte poder de criação, oportunidade de produção ou até mesmo dinheiro para competir com Hollywood. Mas preciso lembrar que nem sempre foi assim, havia um tempo, quando eu era pequeno, em que o Leste Europeu era a força dominadora na cultura. Depois, houve um período em que os filmes asiáticos eram poderosos e populares, isso nos anos de 1980 ou 1990.
Qual o tipo de livros um roteirista precisa ler?
Obras de ficção que se encaixam no gênero que ele gosta; estudar o gênero e encontrar outros autores muito bons nessa área que aprecia.
Mas também livros que não são ficções. Obras sobre psicologia, sociologia, política, filosofia, etc. Todos os assuntos que, como escritor, ele precisa aprofundar. Aliás, é uma coisa que que os novos escritores não têm feito: eles lêem apenas porque se divertem na leitura, sem a intenção de se auto-educar.
Há um gênero que mais o agrade, para assistir e para trabalhar?
Não, eu gosto simplesmente de trabalhos bem feitos. Adoro comédias, dramas psicológicos, fantasia etc. Eu não tenho um gênero preferido, eu assisto a diferentes tipos de filmes; se têm qualidade, eu gosto, se não têm, não gosto. Mas, se eu estivesse em uma ilha deserta e precisasse escolher, seria algo com uma mistura de drama e comédia.
Seminário “Gênero”, com Robert McKee
Onde: Teatro das Artes – Shopping Eldorado: Av. Rebouças, 3.970, São Paulo (SP) |
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A ARTE DO ROTEIRO: A televisão possui uma dinâmica que nenhum outro veículo de comunicação de massa possui: é o aqui e agora. Os medidores de audiência são vistoriados a cada 30 minutos, em alguns canais. As séries lá fora são como as nossas novelas, o ponto alto da programação. Criar e dirigir para esse público que liga o aparelho e tem o poder decisório de, com um clique, mudar de canal é tarefa hercúlea. É nesse “campo de batalha” que a arte de se contar uma boa história se faz vigorosa. No cinema, assim como no romance, há um certo tempo – guardadas as devidas proporções – em que se desenvolve os personagens e a trama. Tanto no cinema como na televisão, em essência, deve-se contar uma boa história, que prenda o espectador, que o estimule a não mudar de canal. No teatro esse tempo é virtual (quase simulado em nossa imaginação), mas no cinema e televisão é milimétrico. A tendência (ou modismos) do excessivo uso da tecnologia para contar histórias (“efeitos especiais”), mas essa é outra discussão que iria demorar muito neste espaço. Nos U.S.A. há uma fábrica de sonhos, mas a possibilidade de sonhar é livre. Tomara que uma nova geração de roteiristas aflore para nosso deleite.