O claro riso dos modernos
Antonio Candido na Flip em 2011 (Foto: André Gomes de Melo/Reprodução/MINC)
Como que acidentalmente, o crítico literário Antonio Candido entra no palco durante a fala de apresentação do jornalista Manuel da Costa Pinto. São os primeiros momentos da conferência de abertura da 9a Festa Literária Internacional de Paraty e, imediatamente, o auditório se desmancha em aplausos – quarenta segundos deles. O intelectual uspiano quebrou o protocolo, mas, como diz Costa Pinto, ele dispensa apresentação. Candido é a estrela da noite.
A vida devora a obra
“O que eu vou fazer não chega nem a ser uma palestra. É mais um depoimento. Eu não pretendo falar sobre a obra de Oswaldo de Andrade, nem sobre a biografia dele. Pretendo falar sobre algo que, e não é questão de modéstia, só eu posso falar: quem foi Oswaldo de Andrade”, inicia. Prestes a completar 93 anos, quase sem participar de eventos culturais, Candido está ali para homenagear o amigo com um “testemunho afetivo”, alegando ser uma das poucas pessoas de sua geração a ter convivido com o escritor, a quem conheceu em 1940.
Começando pela mitologia que se formou em torno do homem, destaca três motivos que contribuíram para a pouca difusão de sua obra. Primeiramente, relata que a riqueza da vida de Oswald – que insiste em pronunciar com um ‘o’ no final – foi tamanha que sua personalidade atraiu muito mais atenção do que seu trabalho. “Ele era conhecido como o homem Oswaldo de Andrade, e isso atrapalhou o conhecimento de sua obra, que foi devorada pela biografia”, diz. Dentre as diversas lendas criadas a respeito de Oswald, relembra uma que, segundo ele, correu o Brasil inteiro: a de que teria um filho chamado “Lança Perfume Rodo Metálico”.
Agressividade e candura
Candido também relata que era muito diícil encontrar os livros de Oswald quando ele ainda era vivo. Com poucas editoras e praticamente nenhuma distribuição no Brasil na época, os próprios autores fequentemente custeavam a edição de seus livros, o que impedia tiragens em grandes números. “Sua obra não era conhecida porque não existia. Raramente se encontrava para comprar”, diz.
Como último obstáculo, o crítico aponta o gênio difícil do amigo, extremamente suscetível quanto à crítica – “ele inspirava um certo temor” – e notoriamente desbocado. Chegava por diversas vezes a ser preconceituoso, usando diferenças de cor e nacionalidade, além de defeitos físicos, como ataque. Mas Candido faz questão de realçar seu lado afetivo.
“Esse homem, facilmente injusto e agressivo, não podia viver só. Ele precisava de carinho, afeto, companhia e aplauso. A agressividade estava ligada a outro lado, de certa candura”, diz, mencionando também sua falta de rancor: “Ele podia dizer o diabo de uma pessoa no mês de janeiro, e ficar amicíssimo dela no mês de março”. O mesmo, no entanto, não aconteceu em relação a Mario de Andrade, com quem, segundo Candido, passou a vida tentando fazer as pazes após uma briga – sem sucesso.
A arma do riso
Anarquista, boêmio, comunista, stalinista, socialista. Embora inconstante em relação à bandeira que levantava, Oswald era coerente no pensamento a favor de uma sociedade igualitária. “Ele era de uma extrema mobilidade em tudo o que se referisse a opiniões, mas de uma extrema constância em tudo o que se referia a ideias”, diz Candido que, em seguida, para fechar seu discurso, ressalta talvez a mais notável característica do amigo: “Ele soube usar a arma do riso, um dos grandes instrumentos do modernismo brasileiro, mostrando que a literatura alta não é incompatível com alegria e brincadeira. Oswald de Andrade tinha o claro riso dos modernos”.
Acompanhando o professor Antonio Candido estava seu aluno e hoje também professor e músico José Miguel Wisnik, que falou sobre a ressonância da obra de Oswald em diversas frentes culturais, como a música, o cinema e o teatro.
(2) Comentários
OSWALD REVISTO – Oswald de Andrade radicalizou em sua poética: a modernidade e o humor eram conjugados. Oswald traduzia humor em radicalidade, até na vida, como alguns biógrafos dizem sua irreverência era marcante. O Brasil das primeiras décadas do século XX era o um país cujo império do bem dizer regia a intelectualidade. Rui Barbosa, Coelho Neto, Olavo Bilac eram os grandes nomes à época, longe da linguagem popular. Ao inserir a irreverência na poesia fazia a ponte para o popular. Sua poesia “pau-brasil” representou uma guinada, a renovação. Radical na linguagem, quebrando as convenções. Como disse Oswald, “Se procurarmos a explicação do por que o fenômeno modernista se processou em São Paulo e não em qualquer outra parte do Brasil, veremos que ele foi consequência da nossa mentalidade industrial. São Paulo era a muito batido por todos os ventos da cultura. Não só a economia cafeeira promovia os recursos, mas a indústria com a sua ansiedade do novo, a sua estimulação do progresso, fazia com que a competição invadisse tosos os campos da atividade” [O Modernismo. In: Anhembi, ano V, n.49, vol. XVII, dez. 1954, São Paulo, p.31-2]. A Guerra Mundial de 1914-18, a industrialização, a queda das grandes famílias rurais, um Brasil que buscava sua identidade. As tentativas de atualização da linguagem levadas a cabo pólo Modernismo de 22 é o panorama das contradições desse país em formação. Cittando Oswald, era um país em que se dizia : “Dê-me um cigarro / Diz a gramática / Do professor e do aluno / E do mulato sabido / Mas o bom negro e o bom branco / Da Nação Brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro” [“Promonimais”. In: Pau-Brasil, 1925], obra que até hoje influencia o discurso de artistas, como o compositor/poeta/performático Rogério Skylab, revitalizando a linguagem.
Agora, Oswald nunca mais será o símbolo do lado B do cânone…