O café e o falante

O café e o falante
A substância do corpo é o gozo (Arte Andreia Freire / Foto Harold Edgerton / Reprodução)
  Em “Sala de desjejum”, Walter Benjamin lembra uma tradição popular que adverte contra o relato de sonhos antes do café da manhã. Há perigo porque a higiene matinal “chama para dentro da luz apenas a superfície do corpo e suas funções motoras visíveis, enquanto, nas camadas mais profundas, mesmo durante o asseio matinal, a cinzenta penumbra onírica persiste e até se firma, na solidão da primeira hora desperta . Quem está em jejum fala do sonho como se falasse de dentro do sono , nessa disposição, o relato sobre sonhos é fatal, porque o homem, ainda conjurado pela metade ao mundo onírico, quando conta o sonho o trai em suas palavras e tem de contar com sua vingança” (Cf. Rua de mão única). Freud chamou essa vingança de “formações do inconsciente”, lapsos, equívocos, atos sem sentido, nas quais o real do sonho insiste e provoca os deslizes que constituem uma verdadeira psicopatologia da vida cotidiana, perturbando o sonhador na hora de tomar o ônibus ou bater ponto no trabalho. O lado de cá do sonho, nosso dia a dia, só se alcança, ainda segundo Benjamin, “num asseio que é análogo à ablução, contudo inteiramente diferente dela. Passa pelo estômago”. Por que não, então, dar um pulo no analista antes do café? De fato, o espaço analítico é exatamente o contrário do café da manhã em família. Em vez de descartar a psicopatologia da vida, Freud mostrou como é possível reconstruir, a partir de suas manifestações fragmentadas, uma narrativa alternativa de si. É justamente este “a mais” da vida de vigília c

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