Privado: O bem-dotado
Fábio de Souza Andrade
Em outubro de 1932, provisoriamente de volta à Irlanda, pressionado pela indefinição profissional e uma seca criativa, o jovem Samuel Beckett escreve ao amigo Thomas MacGreevy, dando conta de um de seus poucos consolos, um livro:
“Estou encantado com Joseph Andrews. Jacques e o Vigário de W reunidos. As reminiscências de Diderot interessam-me muitíssimo, os torneios irônicos e a apresentação do espetáculo pari passu com o próprio, como quando ele se encarrega de uma apóstrofe puramente profissional da Vaidade para, em seguida, observar a necessidade de alguma providência para evitar um capítulo curto demais. E o herói é sugerido admiravelmente, quase uma presença física sobre a página, todo pernas e sexo, palpitante, como Aminta ou um Marivaux prétendant... Nunca li nada igual! Acho que os capítulos curtíssimos são um achado.”
O entusiasmo enfático pela prosa do autor de Tom Jones, Henry Fielding (1707-1754), não é à toa.
Aqui, ele recai sobre A História das Aventuras de Joseph Andrews e Seu Amigo o Senhor Abraham Adams, romance de 1742, que acaba de ganhar cuidadosa – tanto na boa tradução quanto no aparato crítico – edição brasileira.
Nele, em meio à errância por estradas, estalagens e casas de campo inglesas, rocambolescas intrigas tão facilmente criadas quanto desembaraçadas, acompanhamos as desventuras de dois pares ímpares.
O primeiro deles dá título ao livro, composto por Joseph, e reúne um criado repleto de dotes físicos e morais e seu protetor, o Senhor Adams, um pároco cuja retidã
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