Notícias de outras ilhas: Carlos Orfeu

Notícias de outras ilhas: Carlos Orfeu
O poeta Carlos Orfeu (Foto: Divulgação)

 

Carlos Orfeu nasceu em Queimados, Rio de Janeiro, há 32 anos. É autor de Invisíveis cotidianos (Literacidade, 2017; reeditado e ampliado pela Patuá, 2020) e Nervura (Patuá, 2019). Tem poemas publicados em importantes revistas literárias no Brasil e em Portugal.

Para a seção “Notícias de outras ilhas” – em que poetas, escritores e tradutores sugerem leituras para o período da quarentena -, sugere a leitura de poemas de Edimilson de Almeida Pereira, Prisca Agustoni e Wanda Monteiro em Anverso. Leia abaixo os poemas e o comentário do poeta.

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Uma fruta

Edimilson de Almeida Pereira

que rola da caixa para a boca
não resolve o dia de quem
a come. Antes, abre o desejo
de investigar outros pomares.
Se a polpa da fruta alimenta,
seu movimento inquieta.
Como um fio de cabelo que
tiramos e acaso sentimos de
novo. A fruta se desperdiça
se a mão a retém tempo
demais. O que seria repasto
de um não sustenta a família.
Rola então o conflito, cada
um endurecendo por dentro.

em Poesia+, Editora 34, 2019

***

há uma fenda na xícara
a flor descolora, o café não
sempre quente e doce e perfumado
como deveria, a mão, no entanto, que
se move em tua direção é a mesma,
menos firme, talvez, mais madura

Prisca Agustoni em Casa dos ossos, Macondo, 2017.

***

O rosto sob o véu
dos lábios convulsos
a voz tombada de pranto
empresta das palavras
o conforto da dúvida
olhos lacrimejam um prelúdio de dor
Nas mãos um terço
a cruz empunhada contra o peito
e um silêncio feito de dúvida
quebrado pelo frêmito de velas
que velam um santo incapaz
de milagres

Wanda Monteiro em Anverso, Editora Amazônia, 2011 

 

Esses três poemas são imensas preciosidades. Gosto de regressar e habitar o espanto que se renova a cada releitura. O primeiro poema, do Edimilson de Almeida Pereira, lança plumas ao pensamento. O segundo, da Prisca Agustoni, planta água em meus olhos. O terceiro, da Wanda Monteiro, dá de beber às minhas vísceras. Nesses tempos sombrios, habitar potências que nos nutrem energias. Ouvir o disco “Old Ideas”, do Leonard Cohen, e os filmes imagéticos do Andrei Tarkovski.

 


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