A tenebrosa normalização do fascismo

A tenebrosa normalização do fascismo
Ricardo Stuckert/Agência Brasil

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“Al Fascismo no se le discute, se le destruye”. A frase do anarquista espanhol Buenaventura Durruti encerra uma lição que a história, mestra desprezada e sem discípulos, vem ensinando. Em uma entrevista que concedeu em 1936 ao jornalista Pierre Van Paassen, no início da guerra civil, dizia Durruti que, quando a burguesia vê que o poder lhe escapa, recorre ao fascismo para manter seus privilégios. Que o governo republicano (da Espanha naquele momento) poderia ter eliminado o fascismo, mas contemporizou, transigiu, buscou compromissos e acordos.

O que Durruti denunciava é um cenário característica dos momentos em que o fascismo emerge. Para as classes dominantes, o fascismo é uma reserva política estratégica, e para tornar essa reserva viável, é preciso uma manobra tática: a normalização do fascismo.

Caso típico de normalização do fascismo foi o indelével editorial do jornal Estado de S. Paulo na véspera da eleição presidencial de 2018 “Uma escolha difícil”: Bolsonaro era ruim, mas Haddad era tão ruim quanto. Antagonismos que se equivaliam, apesar de Bolsonaro defender a tortura; ter como ídolo um torturador que enfiava ratos em vaginas de mulheres; ter clamado pelo assassinato de Fernando Henrique Cardoso e lamentado que a ditadura militar não tivesse matado 30 mil.

Nessa trilha da normalização do fascismo, um colunista de direita da grande imprensa clama por um “bolsonarismo moderado” na eleição presidencial de 2026. Não é preciso muita esperteza para saber de quem ele está falando. Trata-se do “democrata” Tarcísio de Freitas. A direita tradicional, pela sua inexpressividade política e inviabilidade eleitoral, recorre a um quadro do bolsonarismo que se quer vender como moderado. No entanto nunca fez autocrítica. Nunca se distanciou do fascismo bolsonarista e soma-se fielmente às suas fileiras, reafirmando sua lealdade ao chefe em qualquer oportunidade que se oferece. Nenhum pejo teve, por exemplo, de montar na garupa de Bolsonaro em sua motociata ao estilo de Mussolini, em plena pandemia, evento que o jornal inglês The Guardian qualificou de “obsceno”.

Mas acontece que, salvo quando despedaça furiosamente o martelo da Bolsa de Valores comemorando uma privatização, Tarcísio de Freitas é um homem polido, de boas maneiras, não se lambuza de farofa, parece saber usar talheres e não tem a postura histriônica, caricata e grotesca dos típicos líderes fascistas. Bastante adequado para a falácia do “bolsonarismo moderado”, para o jogo de aparências que contamina os nossos processos eleitorais. A aparência que terá a função de velar a realidade de dois traços básicos do fascismo que se fazem presentes no seu governo, a violência e a dominação ideológica. Vejamos ambos.

O primeiro apareceu na Operação Verão que matou 56 civis (número oficial), claro que em “confrontos” com a polícia. Resta saber como travaram esses confrontos pessoas com deficiência que usavam muletas, cegos e uma mãe de família com seis filhos, mortos na operação segundo denúncia do Ouvidor da Polícia Cláudio Aparecido da Silva. Respondendo às denúncias, o “bolsonarista moderado” Tarcísio disse “não tô nem aí”; “o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta”. Na semana última noticiou-se que o sistema de câmeras policiais que está sendo adquirido pelo governo Tarcísio terá a interessante particularidade de ser acionada pelo próprio policial quando lhe aprouver…

O segundo traço, a dominação ideológica, deu um primeiro passo com o projeto de criação de escolas cívico-militares, aprovado pela Assembleia Legislativa na última semana. Consiste em oficiais da Polícia Militar lecionando em escolas públicas para ensinar “disciplina e civismo”, nas palavras do moderado bolsonarista. Desnecessário qualquer comentário.

Os dois traços do fascismo, violência e dominação ideológica, tem o sentido de moldar a sociedade pela exclusão de parte dela. O fascismo nunca pode ser admitido como força política legítima porque seu projeto é exatamente destruir todas as demais forças políticas. Precisa da violência para aniquilar outras visões de mundo e para exterminar os que reputa “indesejáveis”. Precisa da dominação ideológica para uma dupla função, a de legitimar pelo consenso a exclusão e mobilizar parte da sociedade na tarefa de aniquilar a outra.

Com o fascismo não se concilia. Não se faz acordo. Não se transige. Não se faz aliança. Não se anistia. O fascismo se destrói. Compete às forças lúcidas, racionais, progressistas e populares a missão de destruí-lo. As classes dominantes, seus ideólogos e representantes políticos, jamais o farão, como a história ensina.

MARCIO SOTELO FELIPPE é advogado e foi procurador-geral do Estado de São Paulo. É mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP


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