Na biblioteca infinita de Borges
O escritor argentino Jorge Luis Borges (Foto: Divulgação)
Entre a poesia, o conto e o ensaio, Jorge Luis Borges constituiu uma obra enciclopédica. Nos 32 livros que publicou em vida, visitou diversos países, épocas, personagens históricos e áreas do conhecimento. Construiu, à sua maneira, uma biblioteca infinita, tal como imaginou no conto A biblioteca de Babel, publicado em Ficções (1944).
O livro Borges babilônico, publicado em julho pela Companhia das Letras, traça justamente um mapa desse multiverso de referências. Com organização de Jorge Schwartz, a obra reúne cerca de mil e cem verbetes sobre personagens, temas, datas, conceitos e lugares que aparecem na obra do escritor argentino.
“Borges é um autor, em geral, complexo. Seus textos trazem muitas referências, cifras e enigmas”, afirma o professor de História da USP Julio Pimentel Pinto, um dos 66 colaboradores do “dicionário” borgiano. “A ‘enciclopédia’ permite que o leitor penetre nessa floresta de signos e circule por ela com mais agilidade, aprofundando sua compreensão e percebendo que a obra borgiana é, ela também, enciclopédica, repleta de possibilidades e diálogos com outros livros e autores”.
Para Schwartz, o “caráter enciclopédico” do pensamento de Borges pode ser visto em sua “tendência à reflexão infinita, a partir das várias literaturas ocidentais e orientais e das várias geografias”. Assim, em Borges babilônico percebemos esse autor que se interessava tanto pela cabala hebraica e pelo taoismo como pelo iluminismo, pelos sistemas filosóficos europeus e pela literatura latino-americana.
Além dessa ampla erudição, Borges babilônico também revela algumas preferências pessoais do escritor. Como o gosto pelo século 19, que é o contexto de metade de suas obras. Ou a proximidade com o Reino Unido, de onde vem a maior parte dos seus personagens, junto da Argentina.
“Embora cego, [Borges] tinha um ‘olhar’ cosmopolita, que lhe deu a possibilidade de compor poemas sobre cidades como Londres, Córdoba ou Genebra”, afirma Schwartz. Mesmo assim, o professor acredita que a história e literatura da Argentina do século 19 e início do 20 foram as grandes paixões do escritor.
Ao contrário de seus contemporâneos que inventaram cidades, como Gabriel García Márquez, Juan Rulfo e Juan Carlos Onetti, Borges levou a Buenos Aires para a sua obra. “A Buenos Aires de Borges, que aparece em seus primeiros poemários, é uma cidade que dá as costas para o centro moderno e olha para as margens, para a fronteira com o pampa, em busca de velhas tradições que reforçassem uma identidade argentina”, diz Schwartz.
O organizador conta que a ideia de produzir uma enciclopédia sobre Borges surgiu na década de 1980, quando coordenava a tradução da obra completa do autor. Percebendo a impossibilidade de conter em notas de rodapé o manancial de referências daquela literatura, o professor tinha pensado em desenvolver uma iniciação científica com seus alunos para pesquisar essas referências. Com os anos, esse projeto acabou virando Borges babilônico, com colaboração de nomes como Alberto Manguel, Davi Arriguci Jr., Ricardo Piglia e Beatriz Sarlo.
Além dos verbetes de contextualização, a obra também inclui textos mais ensaísticos, que desdobram a influência de temas gerais na obra de Borges, como ‘memória’, ‘Kafka’, ‘matemática’, ‘espelho’, ‘labirinto’ e ‘experiência histórica’. Para Julio Pimentel, trata-se de uma obra que pode tanto aprofundar a leitura de quem já conhece Borges como o apresentar a novos leitores.
“Borges Babilônico é uma obra de fato borgiana: valoriza a leitura acima de qualquer outra coisa; a despeito da ordem alfabética, é algo anárquica, permite leitura sequencial ou saltada, mistura referências díspares”, afirma Pimentel.