Privado: Muro inacabado

Privado: Muro inacabado
por Kaouê Fonseca Lopes Seu tio João foi buscá-lo. Eram sete horas da manhã, Ibitinga mantinha-se com os austeros paralelepípedos fincados pelas ruas, as casas unidas por paredes de adobo e cal e os vasilhames de leite à porta. Silvio chegava de Belo Horizonte, morava lá há um ano por trabalho. Foi para a casa de sua tia Maria, que o esperava à porta para abraçá-lo. Ao meio-dia o cheiro do frango contaminava a cozinha, o rapaz almoçou e encaminhou-se em direção ao bar do Manoel para comprar cervejas. Na rua, meninos de bicicleta, o passeio reclamava de frio. Em Ibitinga algo recôndito não deixava que pessoas fugissem, tinha uma censura nos olhares, boatos ecoavam e isso rodeava, cerceava a cidade como um curral onde o tempo espiava lento. Casas, ruas, bancos de praça, parentes se pareciam. À noite, a reunião em torno da novela. — Pega uma gelada pra gente, Silvio — pediu João. Conheço demais Belo Horizonte, fui várias vezes quando representava aqui a Gildens, uma empresa de colchões. — Ali fervilha de gente — disse Silvio, servindo o primeiro copo. Aos poucos os parentes se avolumaram na varanda onde comiam e bebiam copiosamente. O destilado, tragado a dois dedos, vincava o peito e depois se assentava em algum lugar escondido. As mulheres davam o suporte doméstico necessário em rodízio junto à pia, enquanto as filhas reparavam os gestos maternos de limpeza. — Silvio, me ajuda numa muretinha amanhã lá em casa? — perguntou seu tio João. — Claro, combinado. Da cabeça de Silvio não fugiam imagens de Belo Horizonte com o cheiro de su

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