Mulheres trans no esporte

Mulheres trans no esporte

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A polêmica em torno da participação de mulheres trans nos times femininos chega muitas vezes ao limite do absurdo e costuma estar cercada por toda sorte de desinformação e preconceito. Quero começar concordando com o fato de que existem diferenças entre o corpo de uma mulher trans e o corpo de uma mulher cis, e que, entretanto, essas diferenças não são as mesmas entre um homem e uma mulher cis. Isso é muito importante considerar.

Quero, em segundo lugar, deixar claro que a condição hormonal de uma mulher trans não é em nada semelhante à de uma mulher cis atleta que tenha feito uso de dopping. A testosterona não é um elemento de suplementação no corpo das mulheres trans. Ao contrário, ela é, frequentemente, “combatida”. Em terceiro lugar, quero concordar com o fato de que a testosterona produzida pelos corpos de mulheres trans no período pré-transição evidentemente produz efeitos que não serão “apagados” pelo processo de terapia hormonal da transição.

Isso posto, gostaria de argumentar, em primeiro lugar, que a participação de mulheres trans em equipes femininas está “regulamentada”, em termos de parâmetros, pelo COI – Comitê Olímpico Internacional –, desde que atendida uma certa taxa hormonal. A questão do hormônio, nesse caso, se resolve com a terapia hormonal anti-andrógenos.

Obviamente, muitos descontentes com o protocolo do COI seguem questionando: “Ah, mas e as mudanças no corpo, na densidade óssea e na altura?”. Existem diferenças entre mulheres cis. Por exemplo uma mulher cis do Ceará, onde nasci, é, frequentemente, muito menor do que uma mulher cis nórdica. Nem por isso impedimos as nórdicas de competirem com cearenses, alegando desvantagens. Gostaria que os efeitos colaterais produzidos pelos hormônios feminilizadores fossem considerados.

Lembro-me de quando comecei a tomar bloqueadores de testosterona e estrogênio. Eu me sentia como um carro grande movido com um motor insuficiente. Ficava cansada, com as pernas e músculos doloridos, muito mais fraca, com retenção de líquido, além de sofrer dos prejuízos vasculares produzidos pelos hormônios. Isso é fundamental e deve ser considerado, pois um corpo/organismo que “funcionava” com testosterona passa a bloqueá-la e a tomar estrogênio. A redução de força e a disposição física certamente interferem nas supostas “vantagens” físicas.

O que argumento é definitivo? Não, certamente não é. Mas acredito que antes de se considerar, pura e simplesmente, a questão como se uma mulher trans fosse um homem competindo com mulheres, é preciso considerar:

    • Os efeitos colaterais do processo de transição hormonal;

    • Os efeitos da transfobia na trajetória esportiva da mulher trans;

    • As diferenças entre mulheres cis e o grau de relevância;

    • As modalidades e as categorias.

A questão é absolutamente mais complexa, e temos hoje, um total de um único estudo sobre o tema, que é o “Race Times for Transgender Athletes”, de autoria de Joanna Harper, que compara o tempo de corrida entre atletas cis e trans e constata que não existe vantagem do primeiro grupo sobre o segundo. É preciso também pensar se o corpo grande representa sempre vantagem, se a noção de vantagem ou vitória no esporte está reduzida à biologia, se não existem outros aspectos… E por fim: antes de decidirem excluir pessoas trans, tentem complexificar as opiniões de vocês, tentem ouvir pessoas trans, tentem ouvir mulheres cis que treinam com mulheres trans. No Ceará, eu ouvi. Sabe quantos problemas elas encontraram? Nenhum.

Obs.: Não usem estudos que comparam homens e mulheres para provar qualquer coisa nesse caso, porque mulheres trans não são a mesma coisa que homens. É ofensivo e burro fazer isso.

Helena Vieira é escritora, dramaturga, transfeminista e colunusta da Cult.


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