A mulher de César e a mulher de Temer
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Um ditador romano chamado Júlio César tinha uma mulher chamada Pompeia de quem ele se divorciou alegando que sua esposa não deveria apenas ser honesta, mas parecer honesta. Daí a famosa frase.
Desde então se especula sobre as mulheres dos homens. O mundo é machista e o privilégio sobre a reputação é inevitavelmente dos homens, por isso não se especula sobre os homens das mulheres.
Agora é a vez de especular sobre Marcela Temer, esposa do desbotado vice-presidente do Brasil que apareceu em uma dessas revistas que tentam transformar a falta de assunto em questão nacional no grande plano de mistificação da mídia.
Tem uma pergunta bem séria que precisamos responder antes de mais nada. Por que a mulher de Temer aparece agora nesse momento de caos político? Ora, porque esse é o momento do golpe de Temer, Cunha e vários outros políticos e organizações, contra Dilma. Todo mundo sabe que isso é muito feio. E como o jogo político é também estético, nada melhor do que tentar melhorar a imagem do vice-presidente-golpista.
O que se quer, portanto, com o perfil que usou os adjetivos “bela, recatada e do lar” como qualificação da esposa de Temer? Seguindo a lógica da especulação política sobre a mulher dos homens, Marcela Temer, seguindo um padrão antigo, serviu de ideal de mulher, de ideal de primeira dama. É muito perigoso quando tentam transformar alguém em “ideal”. Evidentemente, Marcela aparece como um capital político nesse momento, para o desbotado vice-presidente.
Usa-se Marcela, mulher de Temer, em primeiro lugar para tentar melhorar a imagem do vice-presidente. Ao se dizer que ela é “bela, recatada e do lar”, o que para muita gente pode significar, inexpressiva e sem graça, como fica manifesto nas redes sociais hoje em dia, quer-se dizer que o vice-presidente também tem algo de “belo” e de “recatado”, quem sabe um “decoro e, como não se pode dizer que seja “do lar”, quer-se dizer que é um homem de família. A construção vai por aí.
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Para bom entendedor, esses assuntos sempre escondem alguma coisa para nos fazer de otários. Mas podemos tentar aprofundar a leitura. Com essa caracterização, se quer esconder algumas coisas de que a população nem sempre interpreta como boas em termos de personagens políticos: a velhice de Temer (segundo o machismo clássico, a velhice faz perder a beleza). Coloca-se uma mulher jovem para esconder a velhice do marido. O capital juventude é posto contra a desvantagem da velhice. Vejam, não podemos ter preconceitos com a idade de ninguém, mas nesse caso a idade dela conta para melhorar a dele num contexto oportunista. Talvez, se fosse um político de esquerda, a revista estaria a fazer piadas sexuais e geriátricas. Quanto ao aspecto “recatado”, esconde-se nesse caso a falta de expressão. Temer é um homem que tenta ser expressivo, é a sua maior veleidade, por isso escreve aqueles poemas que, com o perdão do julgamento estético, não são outra coisa que ridículos. Ninguém vai esquecer também a carta de Temer para Dilma. Ninguém conseguirá separá-lo do ridículo político que, aliás, combina muito bem com o parlamento em geral. Além disso há a questão dessa mulher do lar. Temer tem uma mulher que fica em casa, coisa que poucas mulheres fazem hoje em dia, a não ser quando são oprimidas por maridos. Há machismo em todas as classes sociais, mas no caso de Marcela, quer se vender a ideia de que ela é uma madame feliz.
Aqui, podemos lembrar que, se a mulher de César precisava parecer honesta, a de Temer precisa só parecer uma boneca inflável, arrumadinha e contente com seu destino.
Gosto é gosto, poderíamos discutir isso, mas é fato que toda mulher heterossexual já teve algum relacionamento de causar vergonha alheia. Temer é problema de todo mundo atualmente, caso seja levado à presidência por meio do golpe judiciário, legislativo e midiático em curso. Mas é um problema de Marcela, vendida para o madamismo midiático como boneca, enquanto faz parte do golpe. Ao contrário do que a revista quer mostrar, Marcela não é uma mulher de sorte. Ela faz parte da vergonha alheia que todos estão sentindo e que agora cria uma personagem fútil como padrão de vida feminina feliz. Ela é o retrato do retrocesso e do caráter caduco da política tradicional feita por machos que não percebem como são ridículos. Ela está sendo usada pelos golpistas. Talvez esteja sendo usada pelo marido.
Marcela não é a solução para a inexpressividade e o golpismo de Temer. Marcela não vai convencer mulher nenhuma. A matéria da mulher bela e recatada é mais um tiro no pé da imprensa golpista. Se há mulheres que caem em atitudes burras, fascistas e ridículas – como a deputada Raquel Muniz casada com o prefeito de Montes Claros, cena maior no papelão político que assistimos há dias – é porque são vítimas de uma ideologia introjetada.
Marcela Temer é bonita, mas as mulheres de hoje não estão mais preocupadas com isso. Sua beleza de boneca de plástico não vai melhorar o semblante de golpista, de traidor, de anódino, de fraco do vice-presidente.
O machismo dessa matéria faz parte do golpe.
Triste é que a presidente Dilma Rousseff esteja sofrendo um estupro político enquanto outras são transformadas em bonecas.