Memórias Felix(es)
Félix Guattari em entrevista no Japão, na década de 1980 (Kazumi Hirose)
Hoje, quando nos inquieta certa autocrítica – a de eurocentrismo –, cumpre iniciar dizendo que em 1990, última vez que o vimos de perto – ele ainda viria ao Brasil em 1992 –, tínhamos absoluta certeza de que Félix Guattari era um de nós. Digo “nós” referindo-me a alunos e professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) encantados por seus saberes “localizados” – assim se falaria atualmente – e que, provavelmente por isso, insistiam em decifrar aquela carta enigmática que compunha a capa do (sempre esgotado) Revolução molecular: pulsações políticas do desejo (1977).
Foi decerto também por isso que, sem prévio planejamento, arrancamos Félix da moderna mas acanhada sala onde deveria falar a uma seleta audiência e o conduzimos a um dos imensos auditórios da universidade, com cadeiras quebradas e pífio sistema de som. Ele simplesmente se deixou levar quando demandamos que abandonasse o espaço elitizado e acolhesse um povo por vir. Sorria muito ao se misturar a nós, que em nada lembrávamos parlamento ou comitê central, e sim, como preferia, uma revoada de pássaros migradores.
Quando a palestra finalmente começou, sobre o que falou? Mal me recordo: talvez de cartografias esquizoanalíticas ou de inconsciente maquínico. Importou menos, naquela manhã, o conteúdo do discurso do que a invenção do dispositivo-Félix, em cujas linhas flexíveis, quiçá de fuga, surfamos por duas horas. Guattari tinha um professor-empresário, que chamava de amigo (e não nego que o fosse); apenas por isso, suponho, não nos
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