Marx ataca
Jacques Lacan costumava dizer que nunca se ultrapassava um grande pensador, pois a verdade era sempre nova. Talvez seja o caso de aplicar tal raciocínio a Karl Marx.
Poucos foram os autores tão acusados de nada mais ter a dizer sobre nosso tempo do que esse filósofo que um dia afirmou que a função maior do pensamento não era interpretar a realidade, mas transformá-la. Vinculou-se de bom grado o destino de suas ideias ao mesmo lugar a que foram enviados os regimes comunistas do século 20, ou seja, à lata de lixo da história.
Qualquer um que frequente livrarias pelo mundo percebe como livros sobre Marx ou de sua própria autoria voltaram às prateleiras. Embalado principalmente pelo desencanto provocado pela crise econômica de 2008, o retorno de Marx faz parte de um movimento lento que visa recolocar esquemas alternativos de reflexão sobre o desenvolvimento das sociedades modernas e seus impasses.
O caso brasileiro não poderia ser diferente, já que, entre nós, o pensamento marxista nunca desapareceu completamente – resultado da existência de uma robusta tradição marxista local. Apenas neste ano, o Brasil recebeu as primeiras traduções diretas do alemão de textos maiores como O 18 de Brumário, Guerra Civil na França e os Grundrisse (Boitempo).
Desses lançamentos, certamente o último é o empreendimento mais ousado. Trata-se de uma espécie de primeira versão dos estudos que posteriormente dariam forma à obra maior de Marx: O Capital. Nos Grundrisse, podemos ver seu pensamento em movimento, apreendê-lo em seu processo de trabalho com suas articulações decisivas entre filosofia, lógica hegeliana e economia política.
No entanto, seria interessante perguntar qual é este Marx que atualmente retorna. O século 20 conheceu o Marx da luta de classes, da revolução proletária iminente, da teleologia histórica. O Marx fundamental na organização do imaginário que guiou os grandes partidos esquerdistas que animaram as lutas políticas do século com suas demandas de ruptura e revolução.
Pré-modernidade
Já nos anos 1930, os teóricos da chamada Escola de Frankfurt não tinham muitas esperanças nesse Marx, embora ele ainda mobilizasse grandes contingentes à espera da redenção histórica. Da mesma forma, o pensamento que se desdobrou a partir de maio de 1968 tinha como seu objeto maior de crítica à crença nas “metanarrativas” dessa história revolucionária.
Mas é fato que duas outras temáticas parecem agora retornar com força e se colocar na linha de frente do retorno de Marx. Elas alimentam o Marx teórico da alienação nas sociedades modernas e do fetichismo próprio ao capitalismo.
Certamente, a teoria marxista do fetichismo é um dos modelos mais profícuos de compreensão do núcleo regressivo das sociedades modernas, ou seja, da maneira com que nossas sociedades ditas desencantadas têm, em seu núcleo central, um encantamento estruturalmente parecido ao encantamento fetichista dos povos pré-modernos.
Ela foi usada como regime de crítica aos bloqueios sociais de reconhecimento nas esferas fundamentais de nossa forma de vida, como as esferas do trabalho, do desejo (vide o trabalho dos freudo-marxistas) e da linguagem (vide a teoria adorniana da cultura). Tal teoria, contrariamente ao que se acreditava nos anos 1960, é um setor fundamental da crítica da alienação que assombra nossas sociedades.
(1) Comentário
Eu adorei e acho que vou fazer a assinatura, e também é muito recomendada pelos meus professores.