A Máquina de Madeira de Miguel Sanches Neto

A Máquina de Madeira de Miguel Sanches Neto

Meses atrás li A Máquina de Madeira de Miguel Sanches Neto (Companhia das Letras, 2012). Em geral, não gosto muito de histórias sobre a “história” (algo como romances históricos), mas esta era tão bem contada que me convenceu. E me comoveu.

Antes de falar do livro que é um romance histórico, mas não só, deixem-me dizer uma coisa bem rápido. Sempre que leio um livro, me pergunto sobre o “gostar” e o “não gostar”. A questão do gosto – velho problema da filosofia moderna que ainda tem algo a nos dizer contemporaneamente – sempre me vem à mente. O gosto pode não dizer muita coisa, é assim que pensamos hoje, mas nos enganamos quanto a isso. O gosto é sempre perigoso, socialmente falando, porque o gosto é “poderoso”. As pessoas tendem a aderir ao gosto universal, ao “padrão do gosto” de uma época. Logo, aquele que controla o gosto controla o mundo… O gosto agrega as pessoas, dá lugar (aquilo que todo mundo mais quer nesse mundo amedrontador) a quem gosta ou não gosta, e por isso, a “audiência” é a sua (perigosa) forma contemporânea. É com a administração do gosto que trabalha a indústria cultural, as listas de mais vendidos, as listas de premiados (o gosto do júri…). Desde que se descobriu isso, a publicidade invadiu a política tentando fazer com que se “goste” deste ou daquele candidato. Os candidatos vão se arrumando para agradar ao público e assim segue a deformação ética da política pela manipulação estética…

A Máquina de Madeira estava na lista de alguns prêmios e me surpreendi que não tenha ganho nenhum (pelo menos eu não vi se ganhou algum). Mas logo entendi, pois que o gosto do júri sempre revela algo do “lugar comum”. O livro que vence um prêmio é o livro que causa impacto: emocional, mercadológico, midiático. Como um candidato a um cargo. Infelizmente, quando se trata de literatura, raramente há um julgamento francamente literário. Mas deixemos isso pra lá, estou apenas pensando, digamos assim, com a letra exposta…

A Máquina de Madeira é aquilo que podemos chamar de “alta literatura”. A expressão é horrorosa, mas uso apenas para distinguir o livro no meio do joio pseudo literário que há por aí (refiro-me aos livros da indústria cultural do livro). Miguel Sanches Neto conta a história de um padre chamado Francisco João de Azevedo inventor de um taquígrafo (um tipo de máquina de escrever) que vai ao Rio de Janeiro levar o seu invento a uma exposição na qual comparecerá o imperador. A história do padre sendo um homem de letras e de ciência no Brasil colonial (século 19) é de dar dó. Mais de um século depois, parece que as coisas não são muito diferentes. O livro nos ajuda a a pensar em quem somos como nação que sempre perde o bonde da história. A expectativa do pobre homem, um padre cientista que é, ao mesmo tempo um trabalhador de mãos grossas dedicado à sua causa, ainda é de todo mundo que, aqui habitando, consegue ver mais longe e, no entanto, não encontra olhares companheiros. O Brasil continua uma colônia, terra de ninguém controlada por gente com uma visão de mundo, no mínimo, tosca. O taquígrafo era um emblema da tentativa de abrir esses olhos toscos que, infelizmente, continuaram fechados em sua cegueira e, apesar de cegos, permanecem tentando furar os olhos de quem deseja enxergar.

Das qualidades do livro, é preciso destacar a delicadeza de cada frase, a sutileza reflexiva. Para mim, livro bom (de que eu gosto) é livro que me faz pensar. A Máquina de Madeira não é um livro preocupado com algum tipo de didatismo, embora conte uma história, mas é uma história pensada e para pensar. Nele se conta uma daquelas histórias que a mentalidade tosca dominante afirma que não é preciso contar porque essa história não levou a lugar nenhum, não levou ao progresso, nem à confirmação de nenhum tipo de felicidade. É a história de um homem que não deu certo.

Certamente esse livro, com a sutileza que é sua mais clara característica, nos fará pensar sobre todo o nosso fracasso (e sua dignidade, para a qual Borges alertou um dia), com o qual temos que nos reconciliar, se quisermos mudar nosso rumo infeliz.

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Novembro

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