Manuscrito original de ‘Howl’ revela o processo criativo de Allen Ginsberg
O poeta beat Allen Ginsberg, em 1996 (Foto: Elsa Dorfman)
Originalmente publicado em 1995, em uma edição comemorativa da Harper Collins, o manuscrito do poema Howl (Uivo), de Allen Ginsberg, foi recentemente disponibilizado na internet pela Universidade de Stanford. O documento, composto de 163 páginas, traz os originais datilografados com notas, alterações e correções que revelam ao leitor o processo criativo do poeta beat.
Escrito em seu apartamento em São Francisco em agosto de 1955, Howl, então com sete páginas, teve quatro versões até chegar à edição final, publicada no final de 1956. Para o pesquisador e poeta Claudio Willer, tradutor de Ginsberg, com quem trocou cartas acerca da tradução, o documento forma uma verdadeira “aula de criação poética” pela qual se entende o surgimento de um poema.
Ali estão as trocas de palavras (mystical virou hysterical no verso inicial), a importância que Ginsberg dava ao ritmo e à sonoridade, sua constante busca por um estilo sintético e interligado, além dos diferentes formatos que testou em seus versos. É possível ver a busca de Ginsberg por um poema sonoro, que pudesse ser lido de uma vez, com o ritmo característico da oralidade.
O documento também inclui cartas que o poeta trocou com amigos. O escritor Carl Solomon, que Ginsberg conheceu quando ambos estavam internados no Instituto de Psiquiatria de Columbia, no início dos anos 1950, é um dos destinatários dessas epístolas. Ainda internado, Solomon – a quem Ginsberg dedicou Howl – recebia as cartas do poeta relatando a feitura do poema e suas transformações.
A mudança de formato é o aspecto mais relevante dos originais, na opinião de Willer. Na primeira versão do poema prevaleciam frases mais curtas, divididas em diversos versos. Já na versão final percebe-se que Ginsberg aglomerou essas frases em versos mais longos, inspirados em Whitman. o resultado é que “cada um desses versos longos torna-se triádico, ou seja, junta três versos, ou três episódios ou imagens [em um mesmo verso]”, explica Willer. O tradutor brasileiro também percebe valor histórico no manuscrito, como “uma crônica adicional de como se formou esse movimento [o beatnik]”.
Para além da gênese do poema, os originais também são importantes por revelar o Ginsberg leitor. Ao longo das páginas, aparecem poemas de suas principais influências literárias: Artaud, Lorca, Smart, Apollinaire, Schwitters, Maiakovski, Hart Crane, Shelley. “Isso corrobora que não se escreve no vazio, que a criação poética é diálogo com o que foi lido”, diz Willer.
Morto em 1997, Ginsberg se tornou um dos principais nomes do movimento beat, e Howl é considerado um retrato poético desta geração. O poeta e tradutor brasileiro percebe no poema uma “epopéia urbana”, significativa da virada na poesia de Ginsberg. “Com esse poema ele adquire sua voz, ganha sua identidade como poeta. Ao organizar a récita de poesia da Six Gallery, no qual o apresentou, passou a ser o principal articulador do movimento beat”, complementa.