LGBT não é má influência
Erica Malunguinho: 'Nossos corpos não serão reféns da perversidade que habita nas mentes mais conservadoras deste país' (Reprodução)
Nesse momento, o Brasil todo entende que a Alesp está prestes a votar um projeto de lei inconstitucional e desumano. Significa dizer que, de alguma maneira, diferentes setores da sociedade, das pessoas comuns aos grandes conglomerados, compreenderam o que movimentos sociais denunciam há décadas: todo mundo perde quando LGBTI+ são atacadas.
O PL 504/2020 nos trata como um mal a ser escondido, tentando escamotear nossas existências. Seus idealizadores visam nos proibir de entrar na sala da “família brasileira”. Ao buscar impedir publicidade para crianças com representatividade LGBT, o texto do projeto de lei nos atribui o lugar de “influência inadequada” e de executores de “práticas danosas” às crianças.
Definitivamente, não somos pessoas inadequadas ou má influência. Estamos em todos os lugares, em todos os setores, também fomos crianças e não podemos ser abolidas. Por isso, apresentei uma emenda de plenário ao PL, já em circulação na Casa, que, sendo aceita e contendo a assinatura de 19 deputados, faz com que o projeto, que hoje tramita em regime de urgência, volte para as comissões e seja reanalisado, diminuindo muito suas chances de retornar em breve para o plenário.
Na realidade, não existe respaldo legal que justifique o PL 504/2020. Há tanta LGBTfobia no conteúdo desse projeto de lei, que pouco se falou de seu rigor técnico. Além de LGBTfóbico, retrógrado, desumanizador e de estar sendo usado como ferramenta de censura, o PL desrespeita princípios constitucionais básicos, como o direito à proteção contra a discriminação, mas, principalmente, a competência privativa da União para legislar sobre propaganda comercial, conforme o artigo 22 da Constituição Federal, não cabendo aos estados versar sobre o tema.
No Brasil, a ética publicitária é fiscalizada em nível federal desde 1980 pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que tem a missão de impedir a publicidade enganosa ou abusiva, que cause constrangimento ao consumidor ou a empresas, ao mesmo tempo em que defende a liberdade de expressão comercial.
A Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP) foi uma das primeiras organizações a emitir nota reforçando a inconstitucionalidade do projeto. Toda a campanha contra o PL 504/2020, que iniciamos em meu gabinete, está sendo realizada em articulação com muitas organizações e movimentos sociais, mas também com figuras públicas, parlamentares e empresas, que tem um objetivo em comum: derrubar um PL que representa a desumanização da sociedade como um todo e um desrespeito cruel à diversidade que somos e que é a regra, a lei absoluta da humanidade.
A repercussão deste projeto só foi possível porque temos cotidianamente denunciado juntes a LGBTfobia da Alesp. Vale relembrar que, nos últimos dois anos, muitos deputados apresentaram projetos que nos tratam como seres abjetos. Este não é o primeiro. Esta prática institucional da Alesp precisa ser combatida não só por nossa comunidade, mas pela sociedade em geral. A institucionalização da LGBTfobia por um órgão estadual ataca nossos direitos humanos, nossas cidadanias e mesmo nossas existências.
A votação do projeto foi adiada duas vezes, mas está prevista para a próxima quarta (28). Continuaremos pressionando com nossa campanha #AbaixoPL504, #LGBTNãoÉMáInfluência e #RespeitaHumanidadeLGBT. Nossos corpos não serão reféns da perversidade que habita nas mentes mais conservadoras deste país.
Erica Malunguinho é pernambucana, artista e educadora. Mestra em Estética e História da Arte, tornou-se a primeira deputada estadual trans eleita no Brasil, em 2018.