Lava Jato é exceção ou regra no país do punitivismo?
A prisão de Eduardo Cunha era o acontecimento criminal mais aguardado do ano. Depois de comandar o processo de impeachment que destituiu o governo de Dilma Rousseff, em poucos meses, o político todo-poderoso foi afastado do seu cargo de presidente da Câmara, teve seu mandato parlamentar suspenso e, agora, foi preso por determinação do juiz federal Sérgio Moro no âmbito da Lava Jato.
O que era para ser celebrado como conquista da democracia e de combate à corrupção, contudo, ficou comprometido por uma prisão extemporânea e sem fundamento legal que a autorizasse.
Sempre critiquei, politicamente, Eduardo Cunha e o projeto que ele representa. Escrevi, inclusive, longo texto denunciando o caráter conservador da sua atuação política nesta coluna. Estive em diversos atos de rua, especialmente dos movimentos feminista e LGBT, que exigiam a saída do ex-deputado da presidência da Câmara. Pedi, mais de uma vez, não só o seu afastamento da presidência e a perda do seu cargo de parlamentar, mas também que fosse julgado e condenado à prisão.
Apesar de considerá-lo detestável sob diversos aspectos, contudo, não consigo celebrar iniciativas como o linchamento que foi feito contra ele em um aeroporto na semana passada, quando uma senhora o agrediu com os sapatos. Assim como fui contra linchamentos públicos contra Guido Mantega num hospital, contra Chico Buarque na saída de um bar, contra Letícia Sabatella na rua, dentre outros tantos casos.
O mesmo vale para as prisões preventivas abusivas que integram esse espetáculo de linchamento judicial a que temos assistido. É bem capaz – mesmo! – que haja provas de sobra para condenar Cunha à prisão, mas ele precisa ser processado e julgado com respeito a seus direitos de defesa. Cautelarmente, não vejo justificativa para a prisão neste momento antes de sua condenação, considerando que há meses essa medida fora requerida e não deferida.
Em suma, não se trata só de Eduardo Cunha, assim como não se trata só do Lula, ou de qualquer outra fulanização dos alvos atingidos. Estamos falando de garantias fundamentais que estão sendo sacrificadas, cada vez com maior naturalidade, nesse altar – bem questionável – do “combate à corrupção” a qualquer preço.
Comemorar prisão de uma pessoa é sempre algo delicado pra mim, que tenho enormes reservas ao direito penal e ao sistema penitenciário como horizontes centrais para a justiça. Com os excessos e atropelos recorrentes da operação Lava Jato, essas minhas reservas foram potencializadas.
Prisões arbitrárias, linchamentos conservadores (midiáticos e físicos), poder econômico controlando instituições públicas, violações de direitos das classes populares são rotina no Brasil há pelo menos 516 anos. Estado de Direito, cidadania e democracia não foram um “mal-entendido”, mas efetivamente um privilégio de alguns setores melhor posicionados social, política, cultural e economicamente entre nós. Não tem novidade alguma aí, a nossa “viagem redonda” nos tira e nos leva pelos mesmos lugares. Em vez de estender o império da lei, ela acabou apenas ampliando o regime de exceção e arbitrariedades para uma categoria outrora intocada em seus privilégios de poder e impunidade. Contudo, não é por essa igualdade de exceção e de autoritarismo que lutamos.
Considero Eduardo Cunha um dos maiores adversários da democracia e dos direitos humanos, mas não desejo que ele seja preso sem fundamento legal e apenas com a finalidade de obter delações premiadas, como tem se tornado a regra.
No Brasil, o garantismo se afirmou como uma importante conquista diante do exacerbado poder punitivo de um Estado penal e autoritário. É verdade que tais garantias poucas vezes valeram, de modo efetivo, para os setores mais pobres da população. Em nosso país, temos uma população carcerária de mais de 622 mil pessoas, conforme os últimos dados disponíveis, que são de dezembro de 2014. Desse total, 40% aguardam julgamento, pois sequer foram condenados. Além disso, os índices de violência policial contra a população jovem e negra das periferias é alarmante, com casos brutais de execuções sumárias que passam ao largo de qualquer julgamento.
Também é verdade, por outro lado, que, muitas vezes, tais garantias foram mobilizadas por advogados bem pagos para manter privilégios e impunidade por crimes cometidos por políticos e empresários. No entanto, o problema da efetividade da lei e de sua impositividade no Brasil, marcado pelo lema de que “a lei não cola”, não se deve às garantias, mas a outras falhas sistêmicas de eficiência no funcionamento das instituições judiciárias.
A operação Lava Jato certamente não inaugurou o arbítrio do poder punitivo e a exceção como regras no país. Entretanto, ela está conseguindo respaldo ímpar na opinião pública para legitimar discursos perversos e perigosos, que culpam as garantias democráticas pela falta de eficiência da nossa justiça. Ou entendemos isso para articular uma disputa real na sociedade, ou veremos o que nos restava de Estado de Direito ir embora pelo ralo.