Lançamentos – Ciências Humanas
Cristo era um revolucionário?
Para Terry Eagleton, hoje considerado o crítico literário mais influente da Inglaterra, a resposta é sim e não
Eduardo Socha
Cristo, um líder político? Eagleton analisa os quatro evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João) e, seguindo as omissões, contradições, escolhas e tendências de suas estruturas narrativas, procura dar conta de uma questão controversa que historicamente excede o campo da teologia.
Na apresentação ao livro, o crítico mostra que a pergunta retórica – “Jesus era apenas um líder espiritual e não um líder político?” – já incorpora um anacronismo pelo qual as interpretações mais costumeiras passam batidas. Afinal, perguntas dessa natureza só se tornam possíveis quando se “projeta para o passado uma distinção moderna entre religião e política que certamente não está nas Escrituras”. Nesse sentido, independente da voltagem espiritual das pregações de Cristo, é no mínimo sensato supor que a severa punição da crucificação não se deu por exclusivas razões de fé. Os romanos não se interessavam por diatribes ideológicas ou religiosas de suas colônias, mas destinavam a crucificação àqueles que representavam uma concreta ameaça à ordem pública.
O texto incisivo e elegante de Eagleton, cuja envergadura teórica rechaça qualquer acusação de diletantismo, não se exime de passagens corrosivas que, em outras épocas, facilitariam enormemente o trabalho dos inquisidores e censores do Index. Quando se fala, por exemplo, da proximidade de Jesus (depois desmentida) e principalmente de Judas com a seita dos zelotes (movimento clandestino anti-imperialista dedicado a expulsar os romanos da Palestina, que Eagleton compara ironicamente à Al-Qaeda), o autor chega a cogitar não sem um certo cinismo: “Talvez Judas tenha vendido Jesus porque esperava que ele fosse um Lênin e ficou amargamente desencantado quando compreendeu que não ia liderar o povo contra o poder colonial romano”.
Eagleton detecta o ímpeto materialista das atitudes cristãs (“O Reino dos Céus revela-se uma questão surpreendentemente materialista”), testemunhadas aliás na própria letra dos Evangelhos. E conclui que Jesus, ao contestar as autoridades judaicas e ao defender um horizonte de justiça e fraternidade até então inexistente (embora não ambicionasse com isso uma transformação radical do poder – “a César o que é de César”), foi a um só tempo mais e menos revolucionário que Lênin e Trotski. Pode-se não concordar com muito do que é dito. Mas o estilo afiado de Eagleton consegue localizar uma dimensão curiosamente incendiária e não tão popular do Cristo dos Evangelhos, confirmando, no final das contas, que uma outra exegese é possível.
Jesus Cristo – Os Evangelhos
Apres.: Terry Eagleton
Trad.: José Maurício Gradel
Jorge Zahar
240 págs.
R$ 36,90
Panfleto da misantropia
É verdade que o título serviria para animar as saltitantes prateleiras da seção de autoajuda. Entretanto, assim como outros títulos da mesma coleção – que inclui um ardiloso A arte de ser feliz, um potente A arte de insultar, um inequívoco A arte de ter razão e um talvez fracassado A arte de se fazer respeitar –, a meta é provavelmente puxar o tapete daquele leitor mais apressado que corre à livraria em busca do panegírico do mês.
Neste A arte de conhecer a si mesmo, estamos diante de máximas e aforismos, reunidos em um caderno que Schopenhauer não quis publicar e que teria sido destruído. O conteúdo do caderno, porém, foi parcialmente reconstituído a partir das pesquisas de Eduard Grisebach (editor das obras de Schopenhauer) que confirmou o plágio descarado de Willen von Gwinner, executor testamentário do filósofo alemão. Gwinner havia escrito uma biografia sobre o filósofo, publicada dois anos após sua morte, que trazia “trechos muito bem escritos e próximos demais do estilo de Schopenhauer para serem de Gwinner”.
Querelas à parte, esses fragmentos de Schopenhauer sobre uma das divisas mais tradicionais da filosofia – “conhece-te a ti mesmo” – serão certamente frustrantes para o leitor de dois parágrafos acima. Pois não há prescrições diretas nem ensinamentos ostensivos que um título “A arte de” eventualmente poderia sugerir.
Em resumo, trata-se neste livro de algumas farpas de vaidade, soberba e misantropia, além das odes ao recolhimento e à solidão, que afinal caracterizavam o espírito do “mestre do pessimismo”. Sua linguagem ácida, que não economizava qualificativos, estaria bem próxima hoje de se transformar em uma grotesca caricatura de pedantismo: “Num mundo em que pelo menos cinco sextos das pessoas são canalhas, néscias ou imbecis, é preciso que o retraimento seja a base do sistema de vida de cada indivíduo do outro sexto restante”, diz o filósofo na seção 18. Mas aqui o leitor incauto também erraria. Porque Schopenhauer revela, apesar disso, na descrição de sua trajetória e de suas escolhas, a profunda coerência de alguém cuja máxima de vida era “querer o menos possível e conhecer o mais possível”.
A arte de conhecer a si mesmo
Arthur Schopenhauer
Trad.: Jair Barbosa
WMF Martins Fontes
120 págs.
R$ 31,40
Amor mundi
Dois dos livros mais importantes da filósofa alemã chegam em novas edições, totalmente revistas. No ensaio Sobre a violência, Arendt reavalia a habitual articulação entre violência e poder. Redigida em um período efervescente (entre 1968 e 1969), quando se fazia apologia, à direita e à esquerda, do uso da violência como instrumento de imposição e legitimação política, a reflexão de Arendt busca romper essa conexão habitual, ao contrapor violência e poder: a violência aparece somente quando enfraquece o poder coletivo de ação; ou seja, a violência só pode emergir quando há ausência de legitimidade do poder.
Já A vida do espírito, último livro da autora, Arendt discute as três dimensões fundamentais do espírito humano, que correspondem às três seções do volume: o pensar, o querer e o julgar, analisados sob a ótica das grandes concepções históricas da filosofia. Em particular, o trabalho iniciado sobre a teoria do juízo (pertencente à terceira parte que não pôde ser concluída em função da morte da autora em 1975) despertou o interesse e a polêmica de vários estudiosos do pensamento de Arendt, que detectou uma autêntica filosofia política em Kant na esteira de sua terceira crítica (Crítica da faculdade do juízo). Em A vida do espírito, a filósofa também resgata a potência e a necessidade de um compromisso ético do pensar, subsumido pelo amor mundi (amor pelo mundo) e pelo respeito entre os homens. Com isso, propõe também um novo acordo dialógico entre moral, política e filosofia.
Sobre a violência – Hannah Arendt – Trad.: André Duarte – Editora Civilização Brasileira – 182 págs. – R$ 29
A vida do espírito – Hannah Arendt – Trad.: César A. de Almeida, Antônio Abranches e Helena Martins – Editora Civilização Brasileira – 546 págs. – R$ 65