Kbela, o filme – de Yasmin Thayná
Em um evento do SESC Tijuca tive o prazer de assistir ao curta metragem KBela, da jovem cineasta Yasmin Thayná.
Yasmin Thayná fala sobre seu próprio filme em momentos como esse, cuja leitura recomendo http://www.brasilpost.com.br/yasmin-thayna/somos-todas-mc-kbelas_b_4661107.html.
KBela é evidentemente um filme político. Podemos vê-lo, em um primeiro momento como um filme feminista e antiracista, o que de fato ele é. Quando há tantos filmes a-políticos e, infelizmente, tantos filmes anti-políticos, é de festejar que haja um filme como Kbela, uma obra de arte desconstrutiva de um padrão biopolítico sob o qual sofrem tantas mulheres.
Comprometido com a causa fundamental das mulheres negras constantemente humilhadas pela construção estética (e com finalidade política) dos cabelos, Kbela desmonta poeticamente essa humilhação. Sabemos que a humilhação é parte fundamental de qualquer método de dominação. Kbela é denúncia da humilhação, mas por um via irônica que dá ao filme uma qualidade estética libertadora. Sem protagonizar a humilhação, o protagonismo é da verdade crespa dos cabelos de mulheres negras que sofrem desde meninas até assumirem seus cabelos, sem se sentirem obrigadas a alisá-los em um processo de violência corporal e imagética. Kbela ressignifica o lugar corporal desses cabelos sem concessões didáticas. Opta por uma linguagem que afeta a quem assiste. Kbela é o melhor cinema como revelação de alguma coisa que precisamos ver. Algo que ficou invisível e que agora está exposto. Esse algo é uma beleza oprimida e recalcada em um processo histórico de produção de indignidade. A beleza em Kbela deixa de ser uma categoria de opressão e encontra a sua dimensão real por meio da qual a dignidade ético-política roubada é devolvida às pessoas.
No Brasil, o desejo pelo liso-loiro é fomentado pela propaganda em si mesma racista que lucra a partir do estabelecimento de um padrão absolutamente incondizente com nossa verdade étnica caracterizada, é fato, pela diversidade. Mas, sobretudo caracterizada pelo ocultamento da ascendência africana e da condição negra. O racismo é uma questão estético-política e o ocultamento da negritude faz parte do racismo que precisa esconder a si mesmo. Kbela, o filme, filme fala dos cabelos de mulheres negras, mas a marcação corporal que está ali exposta diz respeito a todas as pessoas integradas em um contrato racial em que a oposição negros x brancos serve ao que vem sendo percebido e criticado, com toda a razão, como privilégio branco.
Kbela enquanto cinema e enquanto arte, é um grande não à propaganda biopolítica que usa os cabelos como linguagem da opressão. Como politização da estética contra a habitual estetização da política, a estetização racista da política, Kbela é antipropaganda que se faz como resistência poética na linguagem de Yasmin Thainá, para quem, por essa pequena joia de filme, merece um elogio resumido: genial.