Joesley e Wesley, a cara do capitalismo brasileiro
Os empresários Wesley e Joesley Batista (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)
Irmãos Batista mostram a outra cara do capitalismo brasileiro, um abatedouro mafioso que expropria o comum, precifica a política e multiplica dinheiro
“Esses caipiras deram um banho em Marcelo Odebrecht.” A frase de um auditor do TCU expressa o misto de incredulidade e admiração velada diante da forma como os empresários goianos, dono de um império global de carnes e frangos, manipularam uma delação “over premiada” e depois de faturarem bilhões na base da corrupção, compra de quase dois mil parlamentares, acesso a bancos e dinheiro público, informações privilegiadas, conseguiram sair ilesos do país!
A história é pedagógica do extremo em que chegou a própria justiça no país. Para derrubar um presidente de ocasião, Michel Temer, e enterrar um senador da República, Aécio Neves, também já “desenganado”, os empresários puderam confessar os próprios crimes, quebrar a bolsa de valores, disparar o dólar e, em manobra mirabolante, faturar com a própria delação. O efeito final: foram perdoados e dispensados da prisão arcando apenas com uma multa irrisória para os bilhões faturados!
Os donos da JBS, J&F, Friboi merecem um tratado sociológico pois emergem mostrando os dentes sorridentes de um tipo de empreendedor, gestor, empresário que tentaram nos vender durante todos esses anos: o fabuloso Eike Batista, o super gestor Marcelo Odebrecht e agora os selfmade man Joesley e Wesley.
Nouveau empreendedor
Os irmãos Batista pareciam talhados no figurino midiático perfeito do empreendedor “glocal”, arrepiando no sotaque e erres goianos do Brasil rural e do agronegócio, gastando em dólar e morando em apartamentos de luxo na Quinta Avenida.
Pós-delação e pós-tsunami que abalou os alicerces do governo já podre de Michel Temer, os perfis na mídia de Joesley e Wesley ainda hesitam entre celebrá-los e condená-los. Afinal, a figura dos empresários e gestores vem sendo moldada para substituírem o da classe política. Mas o espelho rachou!
Os filhos de seu Zé Mineiro vinham sendo apresentados como a mais completa tradução desse nouveau empreendedor brasileiro, de origem modesta, com um pai que arregimentou pouco mais de 60 cabeças de gado nos anos 1950, até transformarem-se na maior empresa privada brasileira, com faturamento anual de cerca de R$ 100 bilhões. Um assombro! Só que não existe mágica no capitalismo. E as empresas dos Batista arrastaram junto com seus bilhões histórias pouco edificantes que agora começam a ser contadas.
Joesley e Wesley são a versão rural da mesma narrativa que já incensou e derrubou figuras como o fabuloso Eike Batista e agora tenta nos vender o gestor dândi e urbano João Dória Júnior.
O que eles têm em comum? Seguem o mesmo figurino do capitalismo de compadrio ou mafioso que monetiza sua rede de relações e afetos, que constrói máquinas de “investimento” em políticos, partidos e governos, e em todas as transações com parlamentares, governos, bancos, e com a própria justiça, extraem vantagens e milhões!
Os nouveaux empresários também são mostrados como investidores com perfil agressivo e que se arriscam. Só não dizem que boa parte desses riscos são feitos com o nosso dinheiro, com dinheiro público! Em todas as narrativas empresariais há um sujeito e sócio oculto: o próprio Estado. Um sistema de co-dependência do qual estamos vendo as entranhas.
Enquanto estavam em ascensão, financiando políticos e partidos, ou como anunciantes milionários de jornais e TV, os perfis midiáticos e a pauta jornalística em torno desse empresariado fez silêncio sobre as operações econômicas, sócios, investidores, a transparência dos negócios. O silêncio e a não-transparência é uma das formas de censura contemporânea.
A “economia narrativa” dos fabulosos empresários foi alavancada midiaticamente. Os “campeões nacionais” receberam vantagens de parlamentares, de bancos públicos como o BNDES e das mídias: “O Agro é pop, o Agro é Tech, o Agro é Tudo” mantra da campanha institucional da Globo em estímulo ao agronegócio e a seus anunciantes. Ruralistas e empreiteiras foram escolhidos “campeões nacionais” pelo BNDES para enfrentarem os campeões e gigantes econômicos da globalização.
Esse imaginário do empreendedor predador e do empresário tem um teto e limite: o comum. Joesley e Wesley tem o mesmo furor expansionista e amor por multiplicar dinheiro de um Eike Batista, que para isso vendeu minas sem minério, poços sem petróleo e começou a desmoronar por conta própria. Os irmãos Batista foram protagonistas da Operação Carne Fraca e deveriam responder por vários crimes, mais arranjaram uma fabulosa saída: foram perdoados pela sua delação! Um escárnio bilionário.
O happy end para Joesley e Wesley é escandaloso e pedagógico! Os irmãos Batista são tão bem sucedidos, acumularam e expropriaram tanto que não são mais nem “brasileiros”! Eles e seus negócios estão migrando para os Estados Unidos. Joesley e Wesley são a mais completa expressão de uma outra crise, do próprio capitalismo e neoliberalismo, sua face escandalosa e predadora.
A indignação diante da corrupção da classe política, que provoca tanta comoção e convulsão, parece que começa e respingar no empresariado blindado durante décadas por governos e mídia. Um grupo “teflon”, os empresários alfa, negócio do boi, da soja, empreiteiras, petróleo, armas, uma economia predadora que está no centro dessa crise. Uma economia ecologicamente, politicamente e eticamente insustentável. E estamos vendo se desenhar uma versão “descolada” e desengravatada desse nouveau empreendedor: Luciano Huck, o gestor-comunicador, a face ainda mais midiática da “cara do novo” na política, segundo Fernando Henrique Cardoso!
O parlamento dos corpos
Mas existem outras matrizes econômicas, outras práticas e valores. O Brasil também se reinventou nas últimas décadas. Junho de 2013 foi nosso maio de 1968 apontando outros imaginários, democracia direta, participação, governança, uma indignação e imaginação social abortada por todos os lados! Pela direita e por parte do próprio governo petista. Um erro grave!
Lutamos em um cenário pós-colonial em meio a um capitalismo neoescravocrata; achamos que estávamos em uma democracia consolidada e nos deparamos com um cenário de ditadura jurídico-midiática; antes de globalizarmos nossas lutas, o ideário neodesenvolvimentista achou que iria globalizar nossas empresas privadas. Mas o que adianta investir bilhões em Eikes, Odebrechts e Joesleys? Empresários e empresas “campeãs nacionais” de corrupção e malversação do dinheiro público? O que retornou para o comum?
Nos últimos treze anos o Brasil passou por uma mutação antropológica que jogou por terra mitos fundadores que maquiavam uma sociedade profundamente desigual: as cotas raciais revelaram a narrativa apaziguadora da “mistura das raças”; o emergente discurso feminista, LGBT, os corpos trans mostraram o quanto o machismo e patriarcalismo nos viola; a “brancocracia” vem sendo confrontada nos seus privilégios e isso assusta e produz discursos de ódio e apartheid dos mais privilegiados; os banhos de sangue diários nas periferias e favelas mostraram quanto de racismo e ódio aos pobres e negros o Brasil ainda consegue produzir, além da crescente rejeição desse padrão.
O “parlamento dos corpos”, das peles, dos gêneros está cobrando a fatura em um embate civilizatório com as redes de ódio, xenofobia os discursos de intolerância diante das diferenças. Enterramos a fábula do homem cordial! Os microfascismos no cotidiano são combatidos com imagens, palavras, gestos que desarrumam o arrumado.
Esse é um cenário incrível! Diante dos destroços que se acumulam em uma única e gigantesca pilha, diante do derretimento simultâneo de tantos agentes, redes, o desmoronamento de um sistema todo, a ideia de futuro ficou velha, não tem nada mais importante que fincar os dois pés no presente urgente.
O Brasil destroçado também é hoje o laboratório de uma “nowtopia“. Ninguém vai esperar a remediação desse sistema para começar a radicalizar a democracia. Fabular, realizar, efetivar outras vidas, mesmo que tenha que fazer isso fincando bandeiras sobre destroços ou do rés do chão.
(3) Comentários
creio que não li ultimamente um artigo tão bom! obrigado.
Texto fantástico e muito esclarecedor.
Absolutamente lucida e pertinente a análise de Ivana Bentes sobre a realidade. O choque de realidade que vivemos mais uma vez é base de reflexão nas palavras corajosas de Ivana.