Ipseidade e sentimento de si
'Arco-íris', de Bento Prado Júnior'
Gostaria de fazer aqui uma singela homenagem a Bento Prado Júnior. Singela porque não tenciona delimitar a trama complexa de seus textos com a obra de outro filósofo, mas tão somente acompanhar, no quadro da reforma intelectual e moral proposta por Jean-Jacques Rousseau (Os devaneios de um caminhante solitário), o movimento pelo qual Rousseau teria concebido a ipseidade como sentimento de si, especialmente ao estabelecer a distinção entre devaneio abstrato, aquela vivência do sentimento de si na Ilha de Saint-Pierre, e o devaneio profundo, experiência que institui, a minima, o seu alcance estético-moral, possibilidade de uma ponte a ligar o pensador solitário a seus futuros leitores. Voltando, pois, ao texto em que aparece tal distinção, lemos:
“O que de mais suave eu faria na Ilha de Saint-Pierre, seria sonhar à vontade. Ao sonhar que ali estou, não faço a mesma coisa? Chego mesmo a fazer mais; ao atrativo de um devaneio abstrato e monótono, junto imagens que o vivificam. Em meus êxtases, escapavam aos meus sentidos, e, agora, mais profundo é o meu devaneio, mais vivamente pinta esses objetos para mim. Amiúde estou mais em meio a eles e de modo ainda mais agradável do que quando lá estava realmente” (Devaneios, Quinto passeio, § 17).
Evocar, narrar e meditar: o que há de comum a esses três momentos da escrita é o desenvolvimento de uma nova forma de prosa crítica. Certamente essas dimensões da escrita rousseauniana contêm amplo potencial (cognitivo, moral e expressivo) para pensarmos a gênese de certa tradição crítica
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