Jon Lee Anderson: ‘A imprensa mundial está sob pressão’

Jon Lee Anderson: ‘A imprensa mundial está sob pressão’

 

Atribulado em meio à cobertura de mais uma revolução nos países árabes – desta vez na Líbia –, Jon Lee Anderson, deixa muito claro onde acha que isso deve acabar: “A África provavelmente será afetada em seguida”.

Aos 54 anos, ele se tornou uma referência no jornalismo investigativo e literário ao fundir uma compreensão ampla do contexto histórico e social, a apuração rigorosa e um texto ao mesmo tempo preciso e envolvente. Seu ápice é Che Guevara (ed. Objetiva), a biografi a modelar do líder revolucionário na qual separa o mito, estampado em camisetas mundo afora, da realidade crua de seu cadáver, rodeado de militares em um vilarejo da Bolívia.

Colaborador da mais importante publicação da área, a New Yorker, Anderson lamenta, porém, que o gênero não ande bem das pernas. “Agora que há uma crise [no jornalismo impresso], ele corre grande risco de ser ainda maisreduzido”. E estende o alerta ao conjunto da mídia. Com a ascensão da China, afirma, “a imprensa livre estará mais do que nunca sob pressão”.

Anderson, que estará neste mês em São Paulo para participar do 3º Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, fala da decepção mundial com o governo de Barack Obama  — “ele cedeu às pressões”.

Compara também os regimes de Muamar Gaddafi e Saddam Hussein — tema de seu A Queda de Bagdá (Cia. das Letras)—  e relata o fascínio pelo “drama humano” por trás de todas as guerras.

Quais as semelhanças e os contrastes entre Saddam e Gaddafi dos pontos de vista pessoal e administrativo? Pode-se de algum modo compará-los com Che?
As similaridades são mais de estilo e forma do que de substância. Ambos chegaram ao poder sem consultarem seus povos, mas submetendo-os. Ambos lidam com uma combinação de porrete e cenoura.

No uso que fazem da cenoura, apoiaram-se na riqueza vinda do petróleo para criarem subsídios estatais e, daí, comprar a lealdade de partes de suas populações. O petróleo também os ajudou a resistir às sanções internacionais e, em certos momentos, a “alugar” amigos estrangeiros em corporações e governos ocidentais.

Gaddafi flertou inteligentemente com as nações [poderosas] ao abandonar seu programa secreto de armas. Não resta dúvida de que Saddam era muito mais violento e propenso a usar o terror para manter seu domínio do que Gaddafi.

Em termos de estilos pessoais, ambos criaram um culto à personalidade de modo a serem vistos como distantes, quase divinos, e com rara presença pública. No caso de Saddam, ele passou seus últimos anos no poder tendo uma vida quase clandestina em uma série de bases militares e palácios; já Gaddafi parecia emergir sempre do mesmo ponto — seu complexo de quartéis no centro de Trípoli.

Ambos criaram imagens de si mesmos — e até fizeram com que algumas pessoas acreditassem nelas — segundo as quais seriam, de algum modo, autênticos revolucionários do Terceiro Mundo, nacionalistas que mereciam admiração por enfrentarem os capitalistas do Ocidente e a suposta velha conspiração “sionista”.

Pode ter havido, em algum momento, um grão de verdade em suas reivindicações por um tipo de nacionalismo expansionista. Contudo, as contas bancárias no exterior abarrotadas de dinheiro público roubado, os palácios extravagantes e o estilo de vida playboy de seus filhos fizeram de tudo isso uma mentira.

Comparações com Che? Nenhuma. Che nunca teve nem procurou ter poder absoluto para si mesmo. Era famoso pelo desinteresse por bens materiais, riquezas e benefícios que vinham com o poder. Era severo com seus inimigos, mas nunca sádico. Che foi um visionário cuja utopia possibilitou a existência de ditadores, mas ele mesmo nunca foi um ditador.

Qual será a próxima fronteira da revolução no mundo árabe?
Acho que a combinação de globalização e revoluções tecnológica e nas comunicações é um fenômeno de alcance internacional e deverá ter impacto onde houver ditaduras e poder arbitrário.

A África provavelmente será afetada em seguida, embora o fato de seu povo ser mais pobre signifique que as ferramentas tecnológicas de mudança social sejam menos acessíveis. Ainda assim, estamos vendo lá o surgimento de nova riqueza e novas elites, e acho que haverá mudanças.

Também há outros países vulneráveis na Europa Oriental e Ásia, como Bielorrússia, Birmânia, Laos, Cazaquistão e Uzbequistão.

Mas o mesmo princípio não se aplica a todos. No caso das sociedades poderosas mais injustas — como China e Rússia—, aqueles que estão no poder já se mostraram capazes de brutalidades extremas para preservar seus sistemas. E, provavelmente, nada que o Ocidente diga ou fale mudará isso: as autocracias mais severas do mundo tentarão resistir, como sempre fizeram.

A guerra do Iraque é frequentemente comparada com a do Vietnã. Quais os pontos de contato?
A principal semelhança entre elas foi terem sido extremamente impopulares, além de injustificadas e imorais. Historicamente, ambas contribuíram imensamente para a propagação do anti-americanismo no mundo. Isso não pode ser subestimado.

No caso do Vietnã, houve um nítido “antes e depois” quando se fala da imagem internacional dos Estados Unidos, e acho que o país nunca se recuperou totalmente do episódio. Essa é um aspecto que um bom número de americanos nega — embora hoje talvez menos do que antes.

Em A Queda de Bagdá, o sr. enfatiza a negligência do governo de George W. Bush em relação à história e à cultura do Iraque. E quanto à administração Obama? Como vê sua atuação no Afeganistão e também sua incapacidade de fechar Guantánamo, que foi uma promessa de campanha?
Após os anos radicalmente de direita e imprudentemente agressivos de Bush, a abordagem de Obama à política externa parece quase patologicamente advocatícia e moderada. Ele tentou apelar para o consenso e o bom senso ao invés da ideologia. Essa parece ser de sua natureza, pois também age assim na política doméstica.

Em um ambiente global seriamente desestabilizado, devido em grande parte às políticas de Bush — as guerras no Iraque e Afeganistão, o impasse com o Irã, o colapso econômico mundial e a recessão no EUA, tudo coincidindo com a ascensão da China—, Obama aparece fraco e vacilante e agrava a crescente impressão de que os EUA estão acabados como superpotência.

A promessa de fechar Guantánamo e seu fracasso em fazê-lo teve um custo político; foi insensato de sua parte prometer algo que não era capaz de cumprir, não importa a razão. Ele falou sobre isso — assim como fez com relação ao Afeganistão —  antes de ser eleito, talvez antes de dar-se conta dos muitos detalhes complexos que deveria observar para cumprir suas promessas.

Guantánamo é mais uma questão internacional que interna. Igualmente, o Afeganistão era um ninho de vespas que ele herdou de Bush e — para ser justo com Obama — uma questão muito difícil de lidar. Pessoalmente, acho que ele deveria ter optado pela “opção Biden” [referência ao vice de Obama]: uma presença militar muito reduzida e a redução dos dispendiosos projetos de reconstrução do país.

Mas ele foi alvo de muitos lobistas dentro do Pentágono e também dos serviços de inteligência; no fim, sucumbiu — de forma ressentida, acho — às pressões.

O tempo dirá o que funcionou e o que não funcionou.

O sr. menciona no livro que, às vésperas do início da guerra do Iraque, grandes redes de TV ocidentais subornavam as autoridades locais para obter facilidades na cobertura. Ainda que o fim seja nobre, o sr. concorda com esse método?

Não, mas a busca de favores através de bajulação por parte da mídia estrangeira fica pequena em comparação com o oportunismo e a busca de lucros imediatos por parte dos EUA e outros países  — além das corporações — durante o governo de Saddam.

Donald Rumsfeld [secretário de Estado do governo Bush] forneceu a Saddam inteligência de satélite para que ele pudesse, de forma mais eficaz, bombardear as tropas iranianas durante a guerra entre Irã e Iraque. E Saddam só foi capaz de fazer isso graças à compra de equipamento militar, tecnologia balística e produtos químicos de alemães, britânicos, franceses, belgas e russos, entre outros.

Qual o limite entre fato e ficção no jornalismo?
Em jornalismo investigativo puro, os fatos devem falar por si, e, se houver interpretação, ela deve ser explicitamente compartilhada com o leitor para que ele entenda que há algum tipo de mediação acontecendo. Cabe a ele decidir se essa mediação é sincera ou não.

A crise dos jornais impressos no Primeiro Mundo e a ascensão das mídias eletrônicas põem em risco o jornalismo investigativo?
O jornalismo investigativo sempre foi a exceção, e não a regra — e mal consolidado. Poucos jornais tiveram interesse ou recursos para promovê-lo, e, agora que há uma crise na área, ele corre grande risco de ser ainda mais reduzido, mas provavelmente não mais do que outros tipos de jornalismo sério.

No final das contas, ele será resgatado, se é que será, por algum tipo de apoio filantrópico, como já ocorreu nos Estados Unidos. Se não houver lucro a ser tirado de algo que pode ser visto como serviço público  — como aconteceu em outras áreas sociais em que nem o governo nem empresas estiveram à altura da tarefa, como saúde e justiça social—, benfeitores ricos e esclarecidos poderão entrar em cena.

Ao longo dos séculos 19 e 20, os jornais e TVs mais influentes sempre estiveram sediados nos países ocidentais _economicamente liberais e politicamente democráticos. A ascensão da China _um país totalitário que será em breve a maior potência do planeta_ irá afetar a liberdade de imprensa?
A imprensa livre e a mídia estarão mais do que nunca sob pressão nos próximos anos, com a disseminação de Estados autoritários ricos, mas não-democráticos  — e sobretudo agora, quando está comprovado o poder da “mídia social” e da internet em ambientes políticos muito fechados.

O que pode ser chamado de modelo chinês — censura rigorosa e controle político da mídia — tem sido cada vez mais adotado ao redor do mundo: a lista é, tristemente, longa e continua crescendo.

O sr. ainda mantém contato com suas fontes? Até que ponto um repórter investigativo consegue não se envolver com elas, embora sejam parte essencial de seu trabalho?
Mantenho contato, de forma irregular, com minhas fontes em Bagdá. Não vejo Ala Bashir há vários anos, mas trocamos e-mails, e prometemos nos ver nos próximos meses. Ele divide seu tempo entre o Reino Unido, onde sua família mora, e o Qatar. Dr. Waleed, que trabalhava com Ala Bashir, veio a Londres há alguns meses e nos encontramos para almoçar. Foi ótimo vê-lo. Ele permanece um homem caloroso e otimista que ainda vive em Bagdá, onde as coisas têm gradualmente melhorado nos últimos anos.

Meu primeiro motorista, Sabad, está desempregado desde que trabalhou comigo; ele me liga de vez em quando para dizer olá. Meu segundo motorista, Salam, passou por uma experiência dramática, ao ser acusado de assassinar diversas pessoas durante o chamado “surto” das tropas americanas, em 2007, que trouxe a pacificação de Bagdá. Ele foi liberado há alguns meses e agora vive exilado em um país europeu; mantemos contato através de amigos em comum.

Também tenho estado em contato com outros amigos iraquianos, sobretudo por e-mail. A maioria daqueles que conheci antes da guerra, como Ala Bashir, estão agora no exílio e não podem retornar com segurança ao seu país.

A guerra do Iraque e suas consequências foram uma experiência obscura para eles e também para mim. Apesar de nossos profundos laços de amizade, é esse trauma que nos une. Acho que nenhum de nós sente uma profunda necessidade de ver um ao outro, por causa da natureza violenta de nossa experiência — especialmente a deles.

Não há máxima jornalística normatizando a relação de um indivíduo com as fontes. Em geral, eu adotava a regra informal de manter distância. É preciso lembrar que, no final, você não é amigo das suas fontes, não importa quão amigável se tornem. A ideia é manter distância e certo equilíbrio ético, claro, mas às vezes a experiência humana é tão profunda e muda a sua vida a tal ponto que essas regras, mesmo as informais, não se aplicam — e esse foi o caso do Iraque.

Assim, embora no meu livro eu tenha exposto a relação de Ala Bashir com Saddam e a exposto publicamente — e estava certo de que isso o teria magoado e provavelmente tornado sua vida mais difícil — , eu ainda gostava dele, pessoalmente, e acho que ele ainda gosta de mim também. Trata-se, afinal de contas, de uma amizade complicada.

O sr. poderia responder à pergunta feita pelo americano-irlandês Patrick Dillon, que conheceu em Bagdá pouco antes da guerra, conforme menciona no livro): “Eu gosto da guerra. Você não? Não é essa a razão por que está aqui?”

A relação de Patrick com a morte era profunda e inquietante, trazida de suas próprias experiências de vida. Eu a entendo, e sinto por ele, mas não compartilho dela. Não há nada que me atraia em relação à guerra — ou à morte — além dos insights sobre a condição humana e os laços que um indivíduo forma com outro. É o caso do meu com Patrick (ele me escreve longas cartas todo mês) por causa dessas experiências dramáticas que compartilhamos. 

Qual o limite entre fato e ficção no jornalismo?

Em jornalismo investigativo puro, os fatos devem falar por si, e, se houver interpretação, ela deve ser explicitamente compartilhada com o leitor para que ele entenda que há algum tipo de mediação acontecendo. Cabe a ele decidir se essa mediação é sincera ou não.

A crise dos jornais impressos no Primeiro Mundo e as ascensão das mídias eletrônicas põem em risco o jornalismo investigativo?

O jornalismo investigativo sempre foi a exceção, e não a regra _e mal consolidado. Poucos jornais tiveram interesse ou recursos para promovê-lo, e, agora que há uma crise na área, ele corre grande risco de ser ainda mais reduzido, mas provavelmente não mais do que outros tipos de jornalismo sério.

No final das contas, ele será resgatado, se é que será, por algum tipo de apoio filantrópico, como já ocorreu nos Estados Unidos. Se não houver lucro a ser tirado de algo que pode ser visto como serviço público _como aconteceu em outras áreas sociais em que nem o governo nem empresas estiveram à altura da tarefa, como saúde e justiça social_, benfeitores ricos e esclarecidos poderão entrar em cena.

Ao longo dos séculos 19 e 20, os jornais e TVs mais influentes sempre estiveram sediados nos países ocidentais _economicamente liberais e politicamente democráticos. A ascensão da China _um país totalitário que será em breve a maior potência do planeta_ irá afetar a liberdade de imprensa?

A imprensa livre e a mídia estarão mais do que nunca sob pressão nos próximos anos, com a disseminação de Estados autoritários ricos, mas não-democráticos _e sobretudo agora, quando está comprovado o poder da “mídia social” e da internet em ambientes políticos muito fechados.

O que pode ser chamado de modelo chinês _censura rigorosa e controle político da mídia_ tem sido cada vez mais adotado ao redor do mundo: a lista é, tristemente, longa e continua crescendo.

O sr. ainda mantém contato com suas fontes? Até que ponto um repórter investigativo consegue não se envolver com elas, embora sejam parte essencial de seu trabalho?

Mantenho contato, de forma irregular, com minhas fontes em Bagdá. Não vejo Ala Bashir há vários anos, mas trocamos e-mails, e prometemos nos ver nos próximos meses. Ele divide seu tempo entre o Reino Unido, onde sua família mora, e o Qatar. Dr. Waleed, que trabalhava com Ala Bashir, veio a Londres há alguns meses e nos encontramos para almoçar. Foi ótimo vê-lo. Ele permanece um homem caloroso e otimista que ainda vive em Bagdá, onde as coisas têm gradualmente melhorado nos últimos anos.

Meu primeiro motorista, Sabad, está desempregado desde que trabalhou comigo; ele me liga de vez em quando para dizer olá. Meu segundo motorista, Salam, passou por uma experiência dramática, ao ser acusado de assassinar diversas pessoas durante o chamado “surto” das tropas americanas, em 2007, que trouxe a pacificação de Bagdá. Ele foi liberado há alguns meses e agora vive exilado em um país europeu; mantemos contato através de amigos em comum.

Também tenho estado em contato com outros amigos iraquianos, sobretudo por e-mail. A maioria daqueles que conheci antes da guerra, como Ala Bashir, estão agora no exílio e não podem retornar com segurança ao seu país.

A guerra do Iraque e suas consequências foram uma experiência obscura para eles e também para mim. Apesar de nossos profundos laços de amizade, é esse trauma que nos une. Acho que nenhum de nós sente uma profunda necessidade de ver um ao outro, por causa da natureza violenta de nossa experiência _especialmente a deles.

Não há máxima jornalística normatizando a relação de um indivíduo com as fontes. Em geral, eu adotava a regra informal de manter distância. É preciso lembrar que, no final, você não é amigo das suas fontes, não importa quão amigável se tornem. A ideia é manter distância e certo equilíbrio ético, claro, mas às vezes a experiência humana é tão profunda e muda a sua vida a tal ponto que essas regras, mesmo as informais, não se aplicam _e esse foi o caso do Iraque.

Assim, embora no meu livro eu tenha exposto a relação de Ala Bashir com Saddam e a exposto publicamente _e estava certo de que isso o teria magoado e provavelmente tornado sua vida mais difícil_, eu ainda gostava dele, pessoalmente, e acho que ele ainda gosta de mim também. Trata-se, afinal de contas, de uma amizade complicada.

O sr. poderia responder à pergunta feita pelo americano-irlandês Patrick Dillon, que conheceu em Bagdá pouco antes da guerra, conforme menciona no livro): “Eu gosto da guerra. Você não? Não é essa a razão por que está aqui?”

A relação de Patrick com a morte era profunda e inquietante, trazida de suas próprias experiências de vida. Eu a entendo, e sinto por ele, mas não compartilho dela. Não há nada que me atraia em relação à guerra _ou à morte_ além dos insights sobre a condição humana e os laços que um indivíduo forma com outro. É o caso do meu com Patrick (ele me escreve longas cartas todo mês) por causa dessas experiências dramáticas que compartilhamos

 

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