Homero quebra-cabeça
Wilson A. Ribeiro Jr.
A Odisseia é um longo poema épico composto na segunda metade do século 8 a.C. e atribuído desde a Antiguidade, juntamente com a Ilíada, ao legendário Homero. Se esse “Homero” existiu realmente ou não, se escreveu cada verso da Ilíada e da Odisseia ou se apenas soube juntar temas das tradições indo-europeias, gregas e da Ásia Ocidental em uma estrutura poética única e coerente, são “questões homéricas” que até hoje fascinam os especialistas e outros interessados na literatura grega antiga.
Mesmo sem levar em conta seu inestimável valor filológico e histórico, a Odisseia é considerada um dos marcos do cânone literário ocidental.
Esta edição é a primeira publicação em nosso país com padrão de qualidade europeu, pois adotou o bom hábito das edições inglesas, francesas e italianas da Odisseia. Apresenta, face a face, os 12 mil e tantos versos gregos originais e a tradução em verso, “vertida em uma lufada com duração de um ano”, como afirma o tradutor , TrajanoVieira, acompanhados de uma nota prévia, de um utilíssimo índice de nomes e de um plano do palácio de Odisseu em Ítaca (baseado nos dados do texto, naturalmente).
Traz também mapas, um breve posfácio, uma longa nota sobre a métrica e os critérios da tradução, sobre “Homero”, alguns excertos da crítica e um ensaio de Italo Calvino, breve sumário dos 24 “livros” em que se divide a obra, e sugestões bibliográficas para os interessados.
Ainda comparando a edição com as europeias, algumas ressalvas se impõem. O texto grego utilizado foi o preparado pelo helenista A. T. Murray em 1919, com base nos manuscritos e papiros então conhecidos. Seriam mais interessantes, creio, os textos de Von der Mühll (Leipzig, 1946) ou de Finley Jr. (Cambridge e London, 1978), que trazem as mais recentes descobertas.
Faltam também as numerosas notas explicativas de natureza cultural, abundantes em edições inglesas e francesas, que facultam aos não especialistas uma compreensão do texto mais ampla e frutífera. E ainda uma minúcia de helenista: desde o período helenístico, os 24 livros da Odisseia são convencionalmente identificados pelas letras do alfabeto grego em minúsculas. Por deslize da editoração, provavelmente, na edição de Vieira as letras estão em maiúsculas.
Quando à tradução propriamente dita, nunca é demais observar que cada tradutor, seja do grego antigo ou do latim (línguas mortas), seja do inglês ou do francês (línguas vivas), tem de fazer escolhas e procura, o mais honestamente possível, reproduzir aquilo que o autor original queria dizer, tentando transpor as estruturas poéticas, a sonoridade, o ritmo e outras características da língua traduzida.
“Homero” compôs seus poemas em um dialeto literário, nunca falado na Grécia, estilizado e solene, rico em formas antigas, mas não tão rebuscado quanto se poderia imaginar. Esse antigo dialeto “homérico”, com seu caráter formular e seus epítetos complexos, dificulta sobremaneira a tarefa do tradutor e torna praticamente impossível reproduzir fielmente em português a riqueza vocabular, poética e estilística do grego antigo.
A tradução de Vieira, como a de seus antecessores, tem características particulares. A sintaxe da versão em português lembra um pouco a sintaxe original, a divisão dos versos é criteriosa e razoável, embora não acompanhe totalmente a divisão métrica do grego antigo (o que é impossível), e o resultado geral é bom.
O texto traduzido permite a leitura em voz alta e com ritmo, o que é essencial para apreciar, ao menos em parte, poemas escritos primariamente para serem ouvidos, como a Ilíada, a Odisseia e os Hinos Homéricos.
Muitas vezes, no entanto, a criatividade do tradutor dificulta a compreensão, obrigando o leitor não especialista e pouco familiarizado com neologismos formados por radicais de origem latina ou grega a interromper a leitura para “traduzir a tradução” ou para procurar no dicionário formas portuguesas arcaicas e desusadas.
Por exemplo, “êxule” (livro 15, verso 286), “amplifrontais” e “curvicórneas” (11.290-11.291), “circuntalássea” (1.197), “porcariço” (17.263, = porqueiro). Em alguns casos, opções diferentes poderiam facilitar o entendimento da expressão original, por exemplo no epíteto “plurimaquinoso” (11.405), referente a Odisseu: por que não “plurimaquinador”? Em outros casos, ainda, a tradução não parece ser a mais adequada: o grego mégaron, por exemplo, que denomina um salão interno com pórtico, nada tem a ver com “mansarda” (10.432).
Mas, para os estudiosos do grego antigo, para os estudiosos não especialistas e para todos os que gostam de ler textos de qualidade, essa “nova” Odisseia é certamente uma obra indispensável.
Wilson A. Ribeiro Jr. é médico, mestre em letras ?clássicas pela USP e coeditor de Clássica, periódico da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos
Odisseia
Homero
Trad.: Trajano Vieira
Editora 34
816 págs.
R$ 79
LEIA TAMBÉMOutro importante escritor grego traduzido por Trajano Vieira é o comediógrafo Aristófanes, em livro que compreende as comédias Lisístrata e Tesmoforiantes. Ambas foram escritas em 411 a.C. e têm como tema a mulher. A primeira é uma crítica severa à guerra entre Atenas e Esparta, narrando a história de mulheres que fazem greve de sexo para forçar o estabelecimento da paz. Na segunda, que foca a disputa entre sexos e gêneros literários, um grupo de mulheres quer punir o poeta Eurípedes por difamá-las em suas tragédias.
Lisístrata/Tesmoforiantes |
Odisseia Homero
Trad.: Trajano Vieira
Editora 34
816 págs.
R$ 79
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Lisístrata/Tesmoforiantes Aristófanes
Trad.: Trajano Vieira
Perspectiva
448 págs.
R$ 70
Outro importante escritor grego traduzido por Trajano Vieira é o comediógrafo Aristófanes, em livro que compreende as comédias Lisístrata e Tesmoforiantes. Ambas foram escritas em 411 a.C. e têm como tema a mulher.
A primeira é uma crítica severa à guerra entre Atenas e Esparta, narrando a história de mulheres que fazem greve de sexo para forçar o estabelecimento da paz. Na segunda, que foca a disputa entre sexos e gêneros literários, um grupo de mulheres quer punir o poeta Eurípedes por difamá-las em suas tragédias.