Filosofia com(o) sotaque: patoás, patuás e amarrações

Filosofia com(o) sotaque: patoás, patuás e amarrações
Patuás em loja de artigos para umbanda no Rio de Janeiro em 1969 (Foto: Arquivo Nacional)
  “Isso é sotaque.” Uma das primeiras lições que aprendi com meu pai de santo, Ubaldino Bomfim, foi distinguir o que se canta, quando se canta e para quê. Seu “Isso é sotaque” era um alerta a respeito do que ativamos com o axé da fala, com o poder das palavras: o que elas despertam e movimentam. Num mundo de materialidades vibrantes em que todo cuidado é pouco, o sotaque de santo faz falar e faz agir; é o verso que se (a)tira, que se lança, com ou sem direção certa, ao modo de bravata ou de gracejo, e que convida a respostas muitas vezes improvisadas e imprevisíveis. Há também o sotaque que é, desde logo, demanda: amarração e feitiço, tão en-canto como ento-ação.  Até Ludwig Wittgenstein tinha medo de feitiço. Foi ele quem, nas Investigações filosóficas (1953), aspirou a uma filosofia como “luta contra o enfeitiçamento (Verhexung) de nossa compreensão, pelos meios da nossa linguagem” (§109). Minha pequena intervenção lança um sotaque – tomado no sentido cosmopolítico – aos espectros da virada linguística. Vocalizando sotaques de terreiro e e-vocando Frantz Fanon e Lélia Gonzalez, quero trabalhar para virar no santo o aforismo em alemão, propondo uma filosofia que seja a luta pelo (re)encantamento de nossa razão, nos meandros de nossa linguagem. Não é por acaso que Fanon inicia seu magistral Pele negra, máscaras brancas (1952) em franco estranhamento idiomático, isto é, pelo problema do sotaque e do dialeto. O “patois”, ele nos relata, é índice ambivalente da diferença colonial: “Na escola, o j

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